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Livro leva universo de H.P. Lovecraft para o interior paulista

'O terror está passando por uma enorme ebulição', afirma Alexandre Callari ao 'Estado'

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A epígrafe de Salman Rushdie que abre A Floresta das Árvores Retorcidas, de Alexandre Callari, diz: “Agora eu sei o que é um fantasma. Negócios inacabados, isso que é”. Com um passado conturbado e em plena crise de meia-idade, o protagonista Adam se muda para uma cidade interiorana a fim de fugir dos fantasmas que o acossam: o filho para quem é um pai ausente e o divórcio que ainda não superou.

Ilustração de Doug Firmino para 'A Floresta das Árvores Retorcidas', de Alexandre Callari Foto: Doug Firmino/Pipoca & Nanquim

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É comum que o terror repercuta medos coletivos da sociedade, mas o drama de Adam é bem particular. “Como a questão que o livro lida é muito macro, o possível fim do mundo, o contraponto ideal seria justamente ser intimista, ter dramas cotidianos. A crise da meia-idade, o divórcio, discussões a respeito do papel da mulher na sociedade”, explica Callari ao Estado

A solução paliativa que o protagonista encontra para sua crise é se mudar de uma metrópole para uma cidadezinha fictícia na divisa entre São Paulo e Minas Gerais.  Callari conta que o elenco de esquisitões do condomínio em que ele passa a morar foi inspirado pelo filme Toolbox Murders (2004), mas que a mentalidade dos nativos da cidade tem muito do poder de atração das seitas. “Há um culto na cidade, e você já não sabe mais se os personagens estão há tanto tempo fazendo aquilo que se tornaram impressionáveis ou se realmente há uma força que os mantém ali. Os poucos que conseguiram sair acabam causando problemas, então quanto menos contato com o meio exterior, maior o controle sobre eles.”

O romance é o primeiro livro de um selo de originais da editora Pipoca & Nanquim, que já conta com lançamentos de Pedro Duarte, Bianca Pinheiro, Greg Stella e Jefferson Costa. Segundo Callari, foi justamente por orientação dos editores Bruno Zago e Daniel Lopes que a trama se passa no início da década de 1990, acentuando a sensação de isolamento do personagem, alijado do contato com o mundo exterior à cidade.

“Uma firme melancolia ameaçava tragá-lo para dentro de um buraco negro”, alerta o narrador, quando ele aluga um apartamento em um dos poucos prédios da cidade. O edifício decrépito de cinco andares havia sido palco de uma tragédia anos antes, o que atrai ainda mais acontecimentos bizarros para o local.

A principal influência de Callari é a obra de H.P. Lovecraft (1890-1937). “Decidi fazer algo que, mesmo em vida, ele incentivava: escrever histórias dentro da sua mitologia. Tentei trazer para nossa realidade em uma cidadezinha de interior, com elementos reconhecíveis, carros que conhecemos, pôsteres de duplas sertanejas, mas que seria tão afastada e povoada por pessoas tão bizarras que eu poderia fazer essa junção sem que ficasse deslocado”, conta ele.

O que começa com aparições no apartamento de Adam evolui em uma crescente de morbidez, encadeando acontecimentos macabros até chegar à raiz do mal – não apenas na cidade, mas na essência da humanidade. A mitologia lovecraftiana fica mais clara quando o livro apresentar ao leitor Nyarlathotep, uma deidade proveniente do universo ficcional de Lovecraft. “Há tanto pelo que amar o homem quando se é um arauto do caos”, pondera a divindade.

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Os personagens de Callari, portanto, não lidam apenas com feras, fantasmas ou assombrações. Eles são forçados a encarar entidades para além do tempo e do espaço, seres tão grandiloquentes que suas existências desafiam a compreensão humana. É graças a essa incursão no horror cósmico que o romance dá liberdade para a prosa de Callari exercitar descrições abstratas de seres e sensações inexplicáveis, talvez o ponto alto da obra.

“Parece que todo mundo é dúbio neste lugar”, reclama Adam, ao perceber como os habitantes tentam ignorar as excentricidades sobrenaturais do vilarejo. Mas ele não estava a salvo dessa indiferença: quanto mais exposto a eventos insólitos, maior sua capacidade de assimilá-los. “Ocorreu-lhe que, por algum motivo, vinha aceitando bem demais todas as ocorrências inexplicáveis que permeavam cada centímetro daquele lugar. (...) Naquela cidade, era como se uma natureza mística e excelsa estivesse impregnada em todas as coisas, nos objetos, animais, fatos e na mente das pessoas, mesmo na dele ali parecia um universo à parte, onde o fantástico reverberava num mar de improbabilidades e tornava tudo corriqueiro; onde nada parecia fazer sentido, exceto que fazia.”

O terror vem crescendo no Brasil: Serpentário, de Felipe Castilho, VHS: Verdadeiras Histórias de Sangue, de César Bravo e Relicário da Maldade, de Jefferson Sarmento, são alguns dos livros lançados recentemente que demonstram a pujança do estilo na literatura. No cinema, Morto Não Fala, de Dennison Ramalho, foi um dos lançamentos que desafiaram a pouca tradição do Brasil no gênero.

“O terror está passando por uma enorme ebulição. Esse processo vem de alguns anos atrás, depois do sucesso da obra do André Vianco. Tivemos uma onda de livros de zumbis de Rodrigo Oliveira, Tiago Toy, eu mesmo escrevi alguns. A Batalha do Apocalipse, do Eduardo Spohr, também oscilou entre terror e fantasia. Isso foi promovendo um cenário em ebulição”, comemora Alexandre Callari.

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