Análise | Livro que levou estrelas de Hollywood a viver em Goiás nos anos 1950 é redescoberto

‘Terra Prometida’, de Joan Lowell, conta em primeira pessoa a história de uma americana que desbravou o Brasil central; histórico da autora questiona credibilidade da obra, mas não sua relevância

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Na década de 1950, quem passasse por Anápolis, em Goiás, poderia encontrar artistas da era de ouro de Hollywood circulando pelas ruas da cidade. Era o caso de Janet Gaynor, a primeira vencedora do Oscar de Melhor Atriz (1929), Gilbert Adrian, figurinista da adaptação original de O Mágico de Oz (1939), e Mary Martin, estrela da Broadway que protagonizou Peter Pan (1954). Na origem da decisão dos americanos de comprar uma chácara e se mudar para a região, estava o livro Terra Prometida, lançado nos Estados Unidos em 1952, e agora republicado no Brasil pela Ercolano com tradução de Matheus Pestana.

A obra que promoveu Goiás no exterior foi escrita por Joan Lowell (1902-1967), atriz americana que chegou a trabalhar ao lado de Charles Chaplin, mas se notabilizou ao lançar um livro de memórias sobre a infância a bordo de um navio. Apesar de ter sido um best-seller, Cradle of the Deep (1929) ficou marcado pelas inconsistências da história. É na fronteira entre ficção e não ficção, portanto, que se deve ler o livro em que a autora narra dessa vez sua aventura no Brasil central.

Joan Lowell Bowen em seu escritório em Anápolis, em Goiás. Foto: Dmitri Kessel/The LIFE Picture Collection

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Em Terra Prometida, Joan Lowell conta em ritmo cinematográfico sua saga em busca de uma terra fértil no País. O projeto começa em 1935, durante uma viagem de navio pela América do Sul, quando Leek Bowen, o capitão, desafia a passageira a deixar a carreira nos Estados Unidos e desbravar um rincão brasileiro ao lado dele. “O Brasil ainda tem regiões inexploradas – ainda é possível tomar posse das terras”, justifica. Na primeira parte da história, a autora narra seu estabelecimento em Praia Grande, no litoral de São Paulo, onde compra “mais de mil metros quadrados por trinta dólares”. Mais tarde, o casal recebe a proposta de construir uma estrada em troca de terras na região central de Goiás, e parte para explorar o Centro-Oeste.

O aspecto colonialista da missão está presente em todo o livro – os negócios mais vantajosos para os estrangeiros, a descrição grosseira dos nativos –, mas dona Joana, como Joan é chamada pelos brasileiros, se esforça para se adaptar à cultura local, ainda que de forma condescendente. “Estava aprendendo rapidamente a não perturbar com minhas ideias americanas as tradições e as crenças de um povo cuja filosofia lhes trazia paz de espírito, um sistema nervoso calmo e uma fé absoluta de que tudo está bem no mundo e Deus está sempre presente.”

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Joan Lowell Bowen cavalgando em seu rancho. Foto: Dmitri Kessel/The LIFE Picture Collection

Apesar da posição de “companheira pioneira” na abertura da fronteira agrícola, ela não estava livre dos papéis de gênero vigentes. “Ao sobrepor sua vida aos assuntos dos homens”, escreve Joan, “a mulher moderna na chamada civilização está renunciando à herança gloriosa de ser uma verdadeira mulher; ela está caindo em uma categoria intermediária com seu status confuso e a neurose resultante”. Por vestir calças e não ter filhos, ela era frequentemente lembrada, sobretudo pelas outras mulheres, de que precisava se mostrar útil ao marido.

As tradições do interior que a autora absorveu ilustram as cenas mais ricas do livro, e talvez sejam o que levou leitores estrangeiros a quererem conhecer Goiás. O passo a passo da preparação de ingredientes culinários e remédios caseiros, a descrição do funcionamento de um carro de boi, o registro da primeira vez em que Joan ouviu a música sertaneja, “uma melodia solta, triste e com versos improvisados”. “Fiquei tão fascinada que adormeci ao som do que poderia ser chamado de ‘canção de ninar dos vaqueiros’”, escreve ela.

Capa de 'Terra Prometida', de Joan Lowell. Foto: Ercolano/Reprodução

Metida num rincão do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, apenas superficialmente Joan fica sabendo, pelos caminhantes que encontra, de notícias de “um lugar chamado Alemanha”. Em vez de se posicionar na História em relação à guerra, a narradora se coloca no contexto da Marcha para o Oeste promovida pelo governo Vargas, o que a leva a conhecer figuras históricas como Bernardo Sayão, engenheiro mais tarde responsável pela construção da Rodovia Belém-Brasília, e Pedro Ludovico, governador de Goiás. Terra Prometida termina em um período de prosperidade na terra que o capitão e dona Joana conseguem pelos serviços prestados ao Estado.

Após a publicação do livro, Joan abriu uma corretora de imóveis em Anápolis – chamada Terra da Promissão – para vender terras aos americanos que se encantaram pela região. A era dos artistas de Hollywood em Goiás duraria até o fim da década de 1970, mas sofreria a primeira crise ainda em 1957, com a prisão da corretora pelo crime de estelionato na venda de propriedades.

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Como mais um relato de estrangeiro no Brasil, a reedição de Terra Prometida não se justificaria. No entanto, o livro é um retrato de uma personagem extremamente interessante, sua narradora, e uma peça valiosa na história da ocupação hollywoodiana no Brasil central – que merece ser contada em uma publicação própria.

Análise por Amanda Calazans
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