Os Estados Unidos buscavam se afastar da 2.ª Guerra Mundial, apesar dos apelos dos ingleses, que lutavam desesperadamente contra os nazistas. A situação mudou a partir da manhã do domingo, dia 7 de dezembro de 1941, quando a base americana de Pearl Harbor, no Pacífico, foi surpreendia por um ataque japonês, que matou 2.403 pessoas e destruiu 21 navios e 347 aviões. Com o país oficialmente na guerra, o presidente Franklin D. Roosevelt buscou ajuda em Hollywood para retratar o conflito, por meio de documentários dirigidos por grandes cineastas, que se alistaram nas forças armadas. “John Ford foi o primeiro a ir”, conta o escritor e jornalista Mark Harris, que vasculhou os arquivos de Ford e de outros diretores de respeito (William Wyler, John Huston, Frank Capra e George Stevens) para escrever o instigante livro Cinco Voltaram, lançado agora pela Objetiva.
Trata-se de um minucioso e bem costurado texto sobre as aventuras passadas pelos cineastas, seja em território europeu, seja nas águas do Pacífico. “Os homens estavam atrás de aventura, mas, acima disso, almejavam relevância em um mundo que se tornara mais bruto e assustador do que qualquer coisa que seus chefes nos estúdios os autorizavam a levar às telas”, observa Harris. Todos os cinco passaram por situações extremadas: Ford filmara a batalha de Midway, Huston flagrou o conflito na Itália e Stevens teve, certamente, a maior provação: ver em pessoa a horrenda experiência humana no campo de concentração de Dachau. Terminado o conflito, em 1945, o quinteto voltou para casa com a alma completamente modificada. Todos passaram a desprezar, ainda que inconscientemente, o sentimento de esperança, como conta Harris nesta entrevista por telefone, realizada desde Nova York.
A guerra modificou esses cineastas como cidadãos, mas como foi a transformação como artistas? É necessária uma resposta para cada diretor, pois foram diferentes transformações. George Stevens foi, talvez, o mais modificado. A guerra alterou profundamente seu estado de espírito - ele passou a notar o lado negro da vida, especialmente depois de conhecer e filmar os horrores do campo de concentração de Dachau. Tanto que ele jamais voltou a fazer uma comédia. John Ford realizou uma série de faroestes em que tornou notável a visão da derrota, fruto, claro, do que viu na guerra. Para Frank Capra, o conflito marcou o fim de sua carreira: depois de A Felicidade Não se Compra, que não foi um sucesso instantâneo quando lançado, em 1946, ele perdeu a mão para dirigir. Já John Huston, esse adquiriu um certo ceticismo sobre o poder, o que se pode ver em seus últimos filmes.Gostaria que você falasse mais sobre John Ford. Ele era o mais velho entre os cinco cineastas, aquele que ostentava uma carreira mais sólida e estabilizada antes do início da guerra. Mas, as cenas que viu em Midway (batalha aeronaval ocorrida em 1942, no Pacífico, e cuja vitória americana foi decisiva para o enfraquecimento dos japoneses) o afetaram profundamente. Filmar aqueles jovens esperançosos que depois morreriam na batalha foi muito transformador. Ford era um homem enigmático: extremamente sensível e, ao mesmo tempo, incrivelmente desagradável, capaz de retratar tanto a beleza da arte como a crueldade em estado puro. E, no livro, praticamente não falei de um problema que Ford enfrentou a vida inteira: o alcoolismo.Foi difícil realizar a pesquisa e revelar tantos detalhes? Não, pois há um farto material deixado por eles, entre filmes e anotações. Eu quis entendê-los como homens, não apenas como cineastas. Por isso, analisei com cuidado esse material, que reflete com precisão o momento em que eles viviam. John Huston, por exemplo, que filmou três documentários durante a guerra, revelou sua enorme capacidade como roteirista.Um dos momentos mais dolorosos é o vivido por George Stevens no campo de concentração de Dachau, não? Certamente é a história mais tocante de todo o livro. O que Stevens filmou em Dachau foi tão doloroso que ele passou décadas sem fazer um só comentário sobre o assunto. Foi um baque, pois os americanos (e, na verdade, o mundo inteiro) não tinha noção do que era um campo de concentração. Stevens foi movido pelo instinto de documentar tudo, chegando a passar horas e horas acordado. E é importante destacar que, naquele momento, ele já não estava mais interessado em fazer um documentário - Stevens sabia que estava coletando provas contra o nazismo. Tanto que as imagens captadas por ele foram compiladas em dois filmes que foram usadas nos julgamentos de Nuremberg para mostrar o grau de atrocidade e para provar como a eliminação de judeus era um plano de longo prazo dos nazistas.Apesar de todos realizarem filmes de propaganda, é possível dizer que os documentários ainda continuavam com a marca pessoal de cada um? É curioso como nunca me perguntaram isso, mas, refletindo agora, creio que sim. Ao se observar, por exemplo, as imagens captadas por John Ford na batalha de Midway, é fácil descobrir marcas de sua sensibilidade. Por outro lado, o uso da música nos filmes de William Wyler revelam sua meticulosidade e seu desejo de honestidade. Já George Stevens, se não conseguimos identificar sua assinatura, ao menos é visível o desejo de um homem de contar a história do mundo por meio de uma câmera. Sua integridade está presente nas cenas, o que não é pouca coisa.
CINCO VOLTARAM Autor: Mark HarrisTradução: Leonardo AlvesEditora: Objetiva (560 págs.,R$ 69,90)
Obra analisa os filmes de propaganda dos EUA
Apaixonado por cinema e pelas histórias da 2.ª Guerra Mundial (1939-1945), o jornalista José Roberto Gomes uniu as preferências em um belo trabalho de pesquisa que resultou no livro Hollywood no Front!, que tem como subtítulo A Segunda Guerra Sob a Ótica do Cinema Americano, lançado pela editora Giostri.
Se Mark Harris preferiu reconstituir os passos de cinco cineastas, Gomes, repórter da Agência Estado, debruçou-se sobre as obras mais significativas que tratavam da guerra, fossem as produzidas em território americano, fossem os documentários rodados no front. Como exemplo do primeiro, destaca-se O Grande Ditador, comédia dramática dirigida por Charles Chaplin em 1940. “Por meio do humor, o ator/diretor é eficaz em promover ataques diretos e cômicos aos regimes totalitários de Hitler e Mussolini, além de transmitir esperança naqueles primeiros meses de conflito”, escreve o jornalista.
Em seguida, Gomes aponta os truques com que Chaplin se serviu para criticar abertamente o nazismo, isso em uma época em que os Estados Unidos ainda evitavam confrontar diretamente a Alemanha.
Entre os documentários, ele destaca a série dirigida por Frank Capra, Por Que Lutamos, conjunto de sete filmes que figura como um belo exemplo de propaganda direta. “A tarefa de Capra era clara: montar filmes que explicassem o porquê de se entrar e combater nas batalhas e levantar a moral daqueles envolvidos.”
HOLLYWOOD NO FRONT! - A SEGUNDA GUERRA SOB A ÓTICA DO CINEMA AMERICANOAutor: José Roberto GomesEditora: Giostri (140 págs.; R$ 38)
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