Cinco organizações internacionais emitiram um manifesto nesta quinta-feira, 14, a favor da liberdade de expressão na literatura. O Fórum Internacional de Autores (IAF), o PEN International (PEN), a Associação Internacional de Editores (IPA), a Federação Europeia e Internacional de Livreiros (EIBF) e a Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA) se uniram contra uma onda crescente de censura, proibição e boicote de livros.
A declaração será apresentada durante a Feira do Livro de Londres na quinta. No Brasil, oito organizações assinam o documento: a Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf), a Associação Brasileira de Autores de Livros Educacionais (Abrale), a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), a Associação Nacional de Livrarias (ANL), a Câmara Brasileira do Livro (CBL), a Liga Brasileira de Editores (Libre), o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e a Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais (Abrelivros).
O manifesto foi inspirado pela republicação de uma declaração de 1953 feita pela Association of American Publishers e a American Library Association sobre a liberdade de ler. Em junho de 2023, a American Booksellers Association, a American Library Association, a Association of American Publishers e o Authors Guild se uniram contra inúmeros casos de proibições nos Estados Unidos.
A declaração se posiciona a favor das liberdades de leitura, de expressão e de publicação. “Em uma época em que a censura está em ascensão, o setor de livros deve se manter firme e unido em sua missão de fornecer acesso a todos os tipos de livros para o benefício máximo dos leitores”, avalia Jean-Luc Treutenaere, copresidente da EIBF.
O texto reflete sobre a importância de formar “cidadãos esclarecidos” que possam participar ativamente do processo democrático. O manifesto também frisa a importância de autores, livreiros, editores e bibliotecas em proporcionar um acesso amplo e igualitário à literatura, além de cobrar governos a proteger as três categorias de liberdade.
Conforme as organizações, a liberdade de leitura se refere à possibilidade de “poder escolher entre a mais ampla gama de livros que compartilham a mais ampla gama de ideias”. A liberdade de expressão se associa à possibilidade de refletir sobre ideias provocativas proporcionadas por autores e ao contato do público com uma ampla diversidade de obras.
“[Livreiros e bibliotecários] não devem ter essa liberdade restringida por governos ou autoridades locais, indivíduos ou grupos que buscam impor seus próprios padrões ou gostos à comunidade em geral, mesmo quando isso é feito em nome da ‘comunidade’ ou de sua maioria”, diz um trecho.
Por fim, a liberdade de publicação significa que mesmo obras “que são ortodoxas, impopulares, ou que possam ser consideradas ofensivas por alguns em grupos específicos” possam ser publicadas. A declaração está disponível para assinaturas neste link.
Confira o manifesto completo
Declaração Internacional Sobre a Liberdade de Expressão, e as Liberdades de Publicação e Leitura
Com o objetivo principal de proporcionar acesso a uma ampla variedade de obras escritas para todos, nos unimos para apoiar as liberdades de expressão, publicação e leitura. Acreditamos que a sociedade necessita de cidadãos esclarecidos que, com base em conhecimento e informação precisos, façam escolhas e participem do progresso democrático. Autores, editores, livreiros e bibliotecas têm um papel a desempenhar nisso que deve ser reconhecido, valorizado e validado.
A verdadeira liberdade de leitura significa poder escolher entre a mais ampla gama de livros que compartilham a mais ampla gama de ideias. A comunicação irrestrita é essencial para uma sociedade livre e uma cultura criativa, mas traz consigo a responsabilidade de resistir ao discurso de ódio, falsidades deliberadas e distorção de fatos. Autores, editores, livreiros e bibliotecas fazem uma contribuição essencial para garantir essa liberdade.
Sujeitos aos limites estabelecidos pelo direito internacional dos direitos humanos, os autores devem ter garantida a liberdade de expressão. Através de seu trabalho entendemos nossas sociedades, construímos empatia, superamos nossos preconceitos e refletimos sobre ideias provocativas.
Da mesma forma, livreiros e bibliotecários devem ser livres para apresentar a gama completa de obras, em todo o espectro ideológico, para todos. Não devem ter essa liberdade restringida por governos ou autoridades locais, indivíduos ou grupos que buscam impor seus próprios padrões ou gostos à comunidade em geral, mesmo quando isso é feito em nome da ‘comunidade’ ou de sua maioria.
Para que livreiros e bibliotecários apresentem a mais ampla gama de obras escritas, deve haver a liberdade de publicação. Editores devem ser livres para publicar aquelas obras que consideram importantes, incluindo aquelas que são ortodoxas, impopulares, ou que possam ser consideradas ofensivas por alguns em grupos específicos.
É responsabilidade e missão dos editores, livreiros e bibliotecários, através de seu julgamento profissional, dar pleno significado à liberdade de leitura, proporcionando a todos acesso às obras dos autores. Editores, bibliotecários e livreiros não endossam necessariamente todas as obras que disponibilizam. Enquanto editores e livreiros individuais tomam suas próprias decisões editoriais e seleções, o acesso aos escritos não deve ser limitado com base na história pessoal ou afiliações políticas do autor.
O risco de autocensura devido a pressões sociais, políticas ou econômicas permanece alto, afetando cada parte da cadeia, do escritor ao leitor. A sociedade deve criar o ambiente para que autores, editores, livreiros e bibliotecários cumpram suas missões livremente.
Portanto, conclamamos governos e todos os outros interessados a ajudar a proteger, defender e promover as três liberdades acima - de expressão, de publicação e de leitura – por lei e na prática.
Onda de censura com O Avesso da Pele e Outono de Carne Estranha entre alvos
O Brasil vive uma onda de censura a livros que vem crescendo nos últimos anos com dois casos recentes. No início do mês, o livro O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, foi alvo de um ofício emitido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná que pedia para que a obra fosse retirada de escolas de Curitiba.
O caso veio após um vídeo publicado por uma diretora de uma escola estadual em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, que condenava a publicação. Na semana passada, O Avesso da Pele também começou a ser recolhido em Goiás.
“Há um recrudescimento de um discurso conservador, uma visão que se recusa a encarar as questões cruciais da sociedade”, disse Tenório ao Estadão. A obra aborda temas como racismo estrutural, violência policial e deficiências do sistema de ensino. (Leia mais sobre o caso).
Enquanto isso, uma lentidão no processo do Prêmio Sesc de Literatura, um dos mais importantes do País, ecoa teor semelhante: nos bastidores, conforme apurado pelo Estadão, fala-se em tentativa de censura prévia, boicote e demissões desde que Airton Souza, escritor e professor de história, leu um trecho de seu romance premiado, Outono de Carne Estranha, durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) em novembro.
A obra conta a história de um relacionamento homoafetivo, e teria causado desconforto em dirigentes do Departamento Nacional do Sesc, que estavam na plateia. Foi iniciado um estudo para reformulação do edital, para conferir aos organizadores mais controle do que seria premiado – evitando que determinados títulos chegassem à final. (Saiba mais clicando aqui).
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