Quem circula por livrarias certamente já se deparou com livros para bebês. De plástico ou pano, eles normalmente se assemelham mais a um brinquedo ou são informativos: têm a função de apresentar animais, cores e números. Diferentemente do que ocorre na Europa ou nos Estados Unidos, por aqui é difícil achar em meio às prateleiras literatura para esse público.
Daniela Padilha, fundadora da Editora Jujuba, percebeu a lacuna há cerca de cinco anos. Interessada em compreender o processo de mediação com leitores da chamada primeiríssima infância (de 0 a 3 anos), ela idealizou uma roda de leitura para pais e seus bebês. E, quando saiu em busca de livros literários, não os encontrou.
“Há muitos livros de pano, para banho, cartonado com barulho, com textura, mas pouquíssima literatura, no sentido de ter história. Eles apresentam objetos, animais da fazenda e da floresta, formas geométricas, como se a gente precisasse sempre ensinar algo (para o bebê). Eu queria outra coisa. Acredito que esses outros assuntos podem aparecer, mas a narrativa têm de ser mais importante”, conta Daniela.
A inquietação da editora a levou a criar a coleção Literatura de Colo, que hoje tem cinco títulos. Do Reino Unido, Daniela trouxe Urso e Barco, de Cliff Wright; da Espanha, Azul, que tem roteiro de Meritxell Martí e ilustrações de Xavier Salomó; e do Chile, Onde Está Tomás?, escrito por Micaela Chirif e ilustrado por Leire Salaberria. Por ter um catálogo constituído prioritariamente por autores brasileiros, Daniela provocou escritores e ilustradores reconhecidos para que eles produzissem para esses novíssimos leitores. Da provocação nasceram O Que Tem Aí?, de Rosinha, e, mais recentemente, Bia e o Elefante, de Carolina Moreyra e Odilon Moraes.
Para formar a coleção, a editora se preocupou com a diversidade em múltiplos aspectos. Além de mesclar autores nacionais e estrangeiros, a coleção Literatura de Colo reúne texto em prosa e poesia, ilustrações com traços variados, livro imagem (em que a história é contada por meio de imagens) e livro ilustrado (em que texto verbal e imagens se relacionam na narrativa). Todos são produzidos em papel cartão, mais resistente, priorizam a letra bastão (fonte maiúscula), têm bordas arredondadas e, claro, contam uma história.
Para um leitor mais desavisado, O Que Tem Aí? pode ser um livro que simplesmente ensina os números. Mas é muito mais. Por meio de uma brincadeira de perguntas e respostas, Rosinha também apresenta, sem didatismo, animais e cores. O livro instiga o leitor a virar as páginas e desdobrá-las, descobrindo assim o próximo personagem, em um jogo poético de repetição.
Acostumada a levar a brincadeira para a literatura, Rosinha conta que nunca havia criado para leitores tão pequenos. Segundo a autora, o que mudou foi o tipo de pesquisa que desenvolveu para a criação, não a profundidade. “Foi mais prazeroso, porque envolveu mais a brincadeira. Procurei brincar mais para encontrar soluções ainda mais lúdicas, que foi o que eu pensei em especial para este livro.”
Assim como Rosinha, Odilon também nunca havia produzido para leitores tão pequenos. “Também nunca tinha feito um livro sob demanda para um público específico”, conta. Para entender como se dá a comunicação, Odilon e Carolina resgataram e analisaram livros que gostam. “Foi um processo muito diferente para mim. Do ponto de vista da ilustração, meus livros não têm personagens fortes - muitas vezes eles não têm nem rosto. Eles são quase a situação, o contexto. Desta vez pensei que precisava ser como a Eva Furnari, que cria personagens fortes.”
Os dois criaram a história da coelha Bia e seu amigo Elefante e, por meio deles, tecem jogos de opostos. Enquanto Bia é pequena e rápida, o Elefante é grande e lento. Na narrativa, a coelha funciona como o elemento adulto, mais racional, enquanto seu amigo faz as vezes da criança, que quer brincar mais, dorme mais cedo.
A coelha dá referências de civilização, é a voz dos pais; já o Elefante é selvagem. A criança vai se identificar com ele, mas terá um carinho por Bia.
Odilon Moraes, Escritor e ilustrador
A história estimula o mediador, seja pai, mãe, irmão mais velho ou professor, e ajuda no estabelecimento do vínculo afetivo. “É muito mais fácil para o leitor adulto se envolver numa narrativa e, por meio da história, também conquistar o leitor bebê. É difícil mediar um livro quando só há elementos soltos, como quadrado, bola, flor”, descreve Daniela. “Os livros não simplificam para o bebê.”
Rosinha: ‘A criança lê como quer, é seu direito’
Você já tinha escrito para leitores tão pequenos? Não, nunca tinha criado para leitores tão pequenos. Sempre gostei de trabalhar para um leitor menor, mais novinho. Fiz alguns livros que pegavam crianças de 2, 3 anos, mas para bebê não. E confesso que me diverti bastante.
A faixa etária muda ou define seu processo de criação? Acho que, no geral, o processo é o mesmo. O que mudou foi o tipo de pesquisa, não a profundidade. Para mim, foi mais prazeroso, porque envolveu mais a brincadeira. Procurei brincar mais para encontrar soluções ainda mais lúdicas, que foi o que eu pensei em especial para este livro.
Muitos aspectos do livro chamam a atenção. É um raro livro ilustrado para bebês que mistura narrativa em forma de poesia com apresentação de animais, sequência numérica, quantidade e cores. O projeto gráfico, com páginas que se abrem à direita, revelando respostas de perguntas, com ritmo. Em geral, livros para esse público são muito mais simples. Você pensa em todas essas questões na hora em que está criando? Penso sim. Claro que nem sempre consigo fazer um livro que aborde tantas questões, mas eu penso. E tem mais um aspecto que ninguém nota, que também não é para bebê. São os plurais: há plurais simples e compostos. É um ítem a mais neste livro.
O modo como as crianças interagem com o livro te surpreende? Sempre. Recebi um vídeo esses dias de um bebê que ao final da história passa o dedo no livro e coloca na boca, para experimentar. O uso que a criança faz é coisa que a gente não imagina. Ele manipula, abre aba, fecha aba, uma de cada vez, todas juntas. O leitor subverte, lê do que jeito que ele quer. É um dos direitos do leitor.
Serviço
O Que Tem Aí? Autora: Rosinha Editora: Jujuba (12 págs., R$ 42) Este livro apresenta a sequência numérica de 1 a 10 e introduz cores, animais e objetos, em uma brincadeira com perguntas e respostas divertidas, em forma de poesia. É o leitor que faz a pergunta aos personagens: “O que tem aí?”. Para encontrar a resposta, a criança deve abrir a página - nela, encontrará um novo personagem, na quantidade referida pelo número, e uma situação engraçada. Livro criado para a coleção Literatura de Colo.
Bia e o Elefante Autores: Carolina Moreyra e Odilon Moraes Editora: Jujuba (28 págs., R$ 42) Por meio da história da coelha Bia e seu amigo Elefante, Carolina e Odilon falam de opostos, em uma narrativa contada por palavras (em letra bastão) e imagens. Bia gosta de brincar lá fora, de leite frio e pula bem depressa. O Elefante prefere ficar dentro de casa, gosta de mingau quentinho e caminha devagar. Mas as diferenças não os impedem de serem amigos. Os personagens são fortes e promovem imediata identificação - às vezes mais com a coelha, às vezes mais com o Elefante. Também criado para a coleção Literatura de Colo.
Urso e Barco Autor: Cliff Wright Editora: Jujuba (16 págs., R$ 40) O livro apresenta a sequência numérica de 1 a 10 e uma história narrada por meio das imagens. Nela, o urso entra em seu barco e navega em um rio, passando por duas borboletas, três moitas, quatro frutinhas, e assim por diante, até se deparar com uma situação perigosa. A cada número, um elemento é apresentado ao bebê e entra na narrativa. Com ilustrações delicadas, o livro, publicado originalmente no Reino Unido, fala de amizade e confiança.
Azul Autores: Meritxell Martí e Xavier Salomó Editora: Jujuba (48 págs., R$ 42) Em Azul, os autores utilizam as páginas duplas para contar, por meio de imagens, uma história em que a cor é o fio condutor. Um gato encontra um anel e o joga no mar, e partir daí acompanhamos seu percurso, e depois o de uma bota, de frutinhas, de uma libélula, uma chave e um pássaro, até retornar ao início. A cada virar de páginas, um elemento da dupla anterior é repetido e um novo, acrescentado, sempre com uma palavra escrita, em letra bastão. Publicado originalmente na Espanha.
Onde Está Tomás? Autoras: Micaela Chirif e Leire Salaberria Editora: Jujuba (36 págs., R$ 42) A mãe de Tomás faz um bolo e passa a procurá-lo pela casa para servir o doce para o menino. Mas, com sua imaginação, ele vai para outro mundo. A mãe o chama, mas ele parece não ouvir. Tomás vê um vulcão em erupção, galopa em um unicórnio, flutua perto da Lua, voa em um tucano até uma ilha tropical, conversa com uma onça pintada. As imagens misturam o real com a imaginação. E, depois, a mãe entra na brincadeira. Publicado originalmente no Chile.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.