Partindo de histórias pessoais - a morte do pai, em Morreste-me e em As Pequenas Chances; a morte da filha, em O Pai da Menina Morta; o suicídio do irmão, em Dia Um - ou ficcionais, como no mais recente vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura, Não Fossem as Sílabas do Sábado - escritores e escritoras contemporâneas mergulham fundo em um dos grandes temas da literatura - a morte - e transformam histórias de luto em arte.
O Estadão selecionou livros recentes - e outros nem tanto, mas leituras fundamentais - sobre luto. Todos de ficção e autoficção - menos um: o best-seller instantâneo Manual do Luto, de Carpinejar, um dos títulos mais vendidos na Amazon desde seu lançamento, há quase dois meses. Indicamos, ainda, livros que ajudam a falar sobre morte com as crianças.
Não Fossem as Sílabas do Sábado
Era uma manhã de sábado e Ana estava feliz. Da loja de molduras, ela liga para André pedindo ajuda com o pôster do filme preferido do jovem casal, ambos perto dos 30, finalmente enquadrado, porque ela não consegue carregá-lo até a casa. Era pertinho, ele chegaria num instante. Mas ele não chegou. Um instante. 10 segundos. André está morto. Uma morte estúpida e ridícula ligada à outra morte – de Miguel, que, ao morrer, matou André. Esse é o ponto de partida de Não Fossem as Sílabas do Sábado (Todavia), de Mariana Carrara, eleito, na semana passada, o melhor romance de 2022 segundo o júri do Prêmio São Paulo de Literatura. LEIA A RESENHA
Manual do Luto
O novo livro de Fabricio Carpinejar é, na definição do escritor, um ensaio sobre todas as dores do mundo - a perda dos pais, irmãos, filhos, amigos, companheiros. Lançado em setembro, Manual do Luto (Bertrand) reúne frases, conselhos e consolos para pessoas que estão vivendo uma perda ou procurando formas de conviver com ela. Em entrevista ao Estadão, Carpinejar disse: “Na saudade do luto, você não chora apenas pelo outro, você ri alto, de um pensamento, de uma lembrança, de uma conversa, de uma situação engraçada, de uma implicância, de um gesto de carinho. Você se pega rindo sozinho. A saudade também ri”. LEIA A ENTREVISTA DE CARPINEJAR
As Pequenas Chances
“Foram dias bonitos. A tristeza era avassaladora, devastadora: mas estávamos inteiros ali, todos nós”. A frase, da narradora de As Pequenas Chances (Todavia), novo livro de Natalia Timerman, traduz o clima daqueles dias de espera - de espera pela morte. Natalia é a narradora, a personagem, a filha deste homem, um médico, que não se entrega ao câncer, que quer viver - mas vai morrer. Trata-se de uma obra autoficção que aborda os últimos dias de vida de seu pai, seu encontro com os o judaísmo que ela sempre renegou (e cujos rituais foram essenciais no processo de elaboração do luto) e sua busca pelas origens de sua família no leste europeu - algo que só passou a interessar-lhe quando ela percebeu que não havia mais ninguém para contar. LEIA A ENTREVISTA DE NATÁLIA TIMERMAN
Morreste-me
O breve livro que revelou o escritor português José Luís Peixoto se tornou um clássico da sobre luto. É citado por Natalia Timerman em As Pequenas Chances, causou comoção na Flip uma década atrás, quando o autor leu, do começo ao fim, este livro sobre a morte de seu pai, para uma plateia comovida. Em Morreste-me (Dublinense), o filho conversa com o pai “impossivelmente morto” enquanto relembra os últimos momentos vividos em casa ou no hospital e fala sobre o presente, ou seja, o regresso “a esta terra cruel. A nossa terra, pai. E tudo como se continuasse”. LEIA A ENTREVISTA COM PEIXOTO E UM TRECHO DO LIVRO
Aos Prantos no Mercado
H Mart é uma rede de supermercados de produtos asiáticos presente em diversas cidades dos Estados Unidos. É para lá que “os filhos de imigrantes seguem quando querem encontrar a marca de macarrão coreana que lembra o lar da infância”. É para lá que Michelle Zauner segue à procura de memórias e de evidências de que a metade coreana de sua identidade não morreu quando sua mãe morreu. “O H Mart é a ponte que me guia para longe das lembranças que me assombram, de cabeças de quimioterapia e corpos esqueléticos”, ela escreve logo no início de Aos Prantos no Mercado (Fósforo), que vai virar filme. LEIA A RESENHA.
Dia Um
Em um dia quente de janeiro, o irmão mais velho do narrador se suicida. É desta morte que surge Dia Um (Companhia das Letras), romance de estreia do poeta e jornalista carioca Thiago Camelo. O episódio aterrador da morte, que transforma em definitivo os laços familiares, abre espaço para uma investigação íntima da vida: como continuar depois de um acontecimento traumático como esse? O relato daquilo que de início parece ser um retrato da depressão e do suicídio do irmão se torna uma espécie de espelho. “É você, quase um outro dele, o irmão que também deu lá muito certo, o irmão com alguns problemas, o que toma remédio, o hipocondríaco, o depressivo, o melancólico, aquele no qual ele poderia se projetar”, diz a certa altura o narrador. LEIA A RESENHA DO LIVRO
Dias de se Fazer Silêncio
No romance de estreia de Camila Maccari, vencedor do Prêmio Açorianos e depois reeditado pela Autêntica Contemporânea, o irmão também morre. Mas o luto que se faz, ali, é em vida. Trata-se da história de uma família pelo olhar de Maria, uma menina de 11 anos que se sente muito só enquanto os pais se dedicam ao filho caçula que definha, sereno, diante de todos. Um livro delicado e triste. CONFIRA A RESENHA
O Pai da Menina Morta
Romance de estreia superpremiado de Tiago Ferro, O Pai da Menina Morta constitui um experimento em que a voz narrativa (e autoral) vai se espraiando como que a formar um mosaico de memórias e angústias, lirismo e dúvida. Caminhando sempre pelo interstício que enreda realidade e ficção, a dimensão da realidade ficcional acompanha o hibridismo da obra, que parte do luto do autor pela morte inesperada e precoce de sua filha mais velha, então com oito anos. LEIA A RESENHA
Aprender a Falar Com as Plantas
Como lidar com a morte de quem acabou de te abandonar? Essa é a história de Paula. Ela tem 42 anos, é neonatologista em um hospital de Barcelona e vive há cerca de 15 anos com Mauro, um editor de livros apaixonado por plantas. Viviam juntos, mas estavam afastados. E ela achava que era normal. Não é spoiler, apenas a sinopse básica: Os dois saem para almoçar, ele conta que tem outra e quer se separar, e horas depois ele está morto. Aprender a Falar Com as Plantas (Dublinense), romance da catalã Marta Orriols, narra a jornada de Paula e sua busca por fincar raiz, procurar a luz, viver. LEIA A RESENHA.
O Gato Perdido
Em O Gato Perdido, a escritora americana Mary Gaitskill transforma o sumiço de um gato em metáfora para o luto e para encarar as perdas em sua vida. Na obra, um relato enxuto e visceral, ela se aproxima das memórias e prova o quão doloroso pode ser adentrar suas fronteiras. LEIA A RESENHA
Na literatura infantil
Por que a avó não existe mais? Onde está o meu pai? Para onde vamos quando desaparecemos? O que é morrer? Falar sobre morte com as crianças não é fácil - pensar sobre ela também não é. E aqui a literatura, com toda a sua delicadeza e metáfora, entra para nos ajudar. O Estadão selecionou 10 livros para iniciar ou aprofundar a conversa sobre morte com os filhos, e para falar sobre despedidas e saudades. CONFIRA AQUI.
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