‘Mais Esperto Que o Diabo’: Como o livro de 1938 virou best-seller ensinando a alcançar o sucesso

Prestes a ganhar um segundo volume com um plano de ação prático, o livro de Napoleon Hill soma quase 1 milhão de cópias vendidas no Brasil; sucesso contou com o empurrão do Primo Rico

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Atualização:

Um dos livros mais vendidos no Brasil, Mais Esperto Que o Diabo foi escrito entre 1937 e 1938 por Napoleon Hill (1883-1970), que ficaria conhecido depois como um dos pais da autoajuda, logo após o sucesso de Pense e Enriqueça. De família presbiteriana ortodoxa, o autor ouviu da mulher que ele não poderia publicar a obra. Afinal, o que o pessoal da igreja pensaria deles, e de um livro evocando o diabo no título? Quando ela morreu, tentaram tirar o original do baú. E foi a vez dos herdeiros proibirem o lançamento. Depois, por iniciativa de um dos netos de Hill, a obra chegou às livrarias americanas em 2011.

Foi numa viagem aos Estados Unidos que o editor Marcial Conte Jr., que conta a história sobre a postura da família com relação à obra, se deparou com este novo título do autor, que já era conhecido. Ele comprou, sugeriu a publicação, traduziu. Em meados de 2014, o livro foi lançado no Brasil - iniciando uma trajetória de sucesso que beneficiou outras obras do americano. Hoje, mais de 50 obras de Napoleon Hill estão sendo vendidas no País, incluindo Quem Pensa Enriquece (Citadel), A Lei do Triunfo: 16 Lições Práticas Para o Sucesso (José Olympio), Pense & Enriqueça (Best Seller) e Hábitos Milionários: Os Segredos Por Trás das Maiores Fortunas do Mundo (Citadel).

'Mais Esperto Que o Diabo', de Napoleon Hill, foi escrito nos anos 1930, mas só publicado em 2011 nos Estados Unidos e em 2014 no Brasil Foto: Werther Santana/Estadão

Como é o livro

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Mais Espero Que o Diabo começa com Napoleon Hill contando parte de sua vida - os altos e baixos, os negócios acertados e a depressão, o desafio que teria recebido numa entrevista que fez com Andrew Carnegie. Hill estava entrevistando pessoas bem-sucedidas para descobrir o segredo do sucesso delas. Mas o magnata do aço que, àquela altura, 1908, era um dos homens mais ricos dos Estados Unidos, sugeriu que Hill investigasse também, e principalmente, as causas do fracasso dessas pessoas.

“O mundo está precisando de uma filosofia de realização prática e inteligível, organizada a partir de conhecimento resultante da experiência de homens e mulheres da grande universidade da vida”, Hill escreve em seu livro - creditando a fala a Carnegie.

O autor segue narrando sua trajetória, mostrando como, apesar de todo o seu conhecimento teórico e prático ele se viu em dúvida, na pior, até chegar ao momento de “epifania” que o levaria a um encontro com o diabo. E então ele reproduz, com perguntas e as respostas, a entrevista com seu interlocutor na qual busca compreender os obstáculos que impedem as pessoas de alcançarem seus objetos pessoais, como medo, procrastinação e raiva, também como o diabo opera para “alienar”.

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Segundo dados da editora, a obra vendeu 100 milhões de cópias no mundo.

De 4 mil a 240 mil ao ano

Mais Esperto Que o Diabo foi lançado no Brasil em 2014 pela editora gaúcha Citadel. Naquele ano, ele vendeu cerca de 4 mil exemplares, segundo levantamento feito pela Nielsen BookScan para o Estadão. A empresa cobre 76% do varejo - portanto, os dados apresentados aqui excluem, por exemplo, as vendas diretas feitas pela editora.

Em 2015, o total dobrou e ficou em pouco mais de 8 mil exemplares. Em 2016, caiu para cerca de 6.700. Em 2017, voltou para a casa dos 8 mil. E subiu um pouco mais em 2018, fechando o período em quase 9 mil cópias comercializadas.

A virada ocorreu em 2019, com um total de 101 mil exemplares vendidos - com picos de 14 mil unidades em um único mês. No segundo semestre daquele ano, a editora lançou uma edição de bolso da obra - mas isso não diminui o interesse pela edição tradicional. Pelo contrário. Naquele ano, o livro entrou nas listas de mais vendidos e não saiu mais (veja abaixo).

Em 2020, o primeiro da pandemia, o total de exemplares vendidos da edição tradicional vai para 158 mil e o recorde passa a ser 20 mil exemplares em um único período. 2021 foi o melhor período, com 244 mil exemplares vendidos e novo recorde mensal - 22.300. Em 2022 a venda cai, mas ainda fica em expressivos 160 mil exemplares. E em 2023, cai mais um pouco - para 119 mil cópias. Isso tudo, sem considerar os livros de bolso, que somaram, desde o lançamento, em 2019, cerca de 86 mil cópias vendidas.

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Resumindo: Mais Espero Que o Diabo vendeu, no Brasil, segundo a Nielsen, mais de 903 mil exemplares (818 mil na versão tradicional e 86 mil na de bolso) desde o lançamento.

O livro nas listas de mais vendidos

Em 2019, a obra estreou nas listas - em 15º. Foi o 4º mais vendido de 2020, o 2º de 2021 (perdendo apenas para o livro de Thiago Nigro), o 5º de 2022 e o 7º de 2023. Os dados são da Nielsen.

Por que as vendas estouraram?

Em novembro de 2018, Thiago Nigro, o Primo Rico, já um influenciador de finanças de sucesso, lançou seu primeiro livro: Do Mil ao Milhão Sem Cortar o Cafezinho (HarperCollins Brasil). Dois meses depois, no dia 31 de janeiro de 2019, ele estreou seu podcast, o Primo Cast. Naquele primeiro episódio, ele falou sobre Mais Esperto Que o Diabo. Começou, ali, uma nova fase para o livro, que estava vendendo, em média, 600, 700 exemplares por mês. Logo após o podcast, os números saltaram para 2 mil, depois, 4 mil, 8 mil, 11 mil… Nessa altura, Nigro já tinha escrito uma apresentação, seu nome também estava na capa, e o livro seguia sua trajetória ascendente.

“Quando a gente falou sobre esse livro, ele se tornou o mais vendido do Brasil na semana e desde então não saiu mais das listas. Então, ele teve um empurrãozinho meu ali no começo, mas o que o fez ficar lá foi mérito do conteúdo e da narrativa envolvente que ele tem”, diz Thiago Nigro. Para o influenciador, o livro inova justamente na narrativa - e isso torna o enredo mais “cativante, engajante e profundo”.

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Anderson Cavalcante, escritor, palestrante, fundador da editora Buzz e editor com vasta experiência na publicação de obras de desenvolvimento profissional e pessoal, ressalta que três questões são fundamentais para o sucesso de um livro: ser atemporal, ser consistente e seu estilo/linguagem. E existem as estratégias mercadológicas, como o preço.

“Houve uma época, no começo, que o livro era vendido a R$ 9, e isso cria uma força de venda, um efeito de venda de manada. Você começa a trazer um público que não tem o hábito de ler, que não está disposto a correr o risco de investir um grande dinheiro, mas que poderia investir um pouco. A pessoa acaba comprando, e como ele entrega texto, roteiro, consistência e uma explosão de sentimentos, isso acaba sendo suficiente para reforçar a tese do boca a boca”, explica o editor.

Mas Mais Esperto Que o Diabo não traz nada de novo, na opinião de Cavalcante. Como, ele diz, O Monge e O Executivo, que ficou mais de uma década nas listas de mais vendidos, também não trazia. Por que então este livro que fala sobre o duelo que existe na nossa cabeça entre os nossos medos e os nossos sonhos tem feito tanto sucesso?

Napoleon Hill, autor de 'Mais Esperto Que o Diabo' e outras obras de autoajuda e desenvolvimento profissional Foto: Library of Congress

“Uma tese é que, apesar de ele ser mais do mesmo, o livro encontra as pessoas no momento de pandemia ou na pós-pandemia muito desesperançosas, desacreditadas nelas mesmas”, responde. Não apenas no que diz respeito a questões financeiras. E, nesta situação, qualquer coisa que nos dê um pouco de esperança vai vender. “Mais Esperto que o Diabo traz esse lado da fé, de você acreditar em você, de você ter algo maior. Enfim, ele traz esse reforço de fé que faz com que as pessoas se sintam bem.”

Cavalcante segue: “O leitor encerra o livro com a sensação de que não está sozinho no mundo, que há outras pessoas que pensam como ele, que existe uma chance de viver aquilo que acredita e de uma forma mais leve, prazerosa e gostosa. Nem todos os livros têm esses efeitos. Mais Esperto Que o Diabo tem, e nos faz acreditar que o mundo pode ser muito melhor e que chegaremos lá se mudarmos algumas coisas na nossa mente”.

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Da teoria à ação

Um livro pode mobilizar os leitores e ajudá-los a se ajudar, mas isso nem sempre funciona com todo mundo. Agora, a editora se prepara para lançar o Mais Esperto Que o Diabo 2 - Plano de Ação: 21 Dias Para Sair da Alienação. Previsto para maio, ele é um livro com exercícios práticos, uma espécie de planner, produzido pela Fundação Napoleon Hill a partir do livro best-seller.

“É um plano de ação para ajudar a pessoa a abrir os olhos para as coisas que a estão paralisando, tomar pé da sua vida e sair da alienação”, explica o editor Marcial Conte. O prefácio é assinado por Joel Jota, ex-atleta, influenciador, treinador de alta performance e empresário.

As lições do livro

E o que o leitor aprende com Napoleon Hill? “A primeira coisa, que ele precisa ter um propósito definido. Ele entra numa jornada de autoconhecimento, de uma forma simples, e, lendo, vai entendendo o que está dando errado em sua vida, começa a pensar se alguém está tomando decisões por ele ou se está simplesmente deixando a vida o levar, questiona se está usando 100% de seu potencial”, responde o Conte Jr. Ele explica ainda que, para Hill, ninguém é fracassado. “Ele dizia que enquanto se está vivo, ninguém é fracassado; só está sofrendo derrotas temporárias.”

Thiago Nigro diz que tirou algumas lições do livro. Ou, melhor, tirou alguns “reforços”. “Ele pegou conceitos que já faziam sentido pra mim e os colocou na minha mente, em especial sobre o ritmo hipnótico e sobre a definição do alienado”, comenta.

Ele explica: “O ritmo hipnótico mostra como vamos, por meio do conceito da inércia, nos desenvolvendo positiva ou negativamente. E as pessoas, de uma forma geral, como têm hábitos ruins, vão através do ritmo hipnótico se tornando quase que escravas e vítimas. São pessoas que vão desenvolvendo o seu próprio sofrimento, talvez não de forma consciente. O conceito de alienado também é muito importante. Temos muitos alienados no mundo”.

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Thiago Nigro é autor do livro 'Do Mil ao Milhão Sem Cortar o Cafezinho' Foto: Werther Santana/Estadão

Conte Jr. também aborda esta questão e comenta ainda o comportamento que poderia favorecer o trabalho deste “diabo” que vive dentro da nossa mente e que tenta, a todo custo, nos sabotar. “O diabo está em tudo que gera dopamina rápida e em tudo aquilo que pode tirar nossa capacidade de discernimento. Napoleon Hill decifrou o código da mente do diabo, que mostrou como ele faz para alienar as pessoas, que acabam perdendo sua capacidade de decidir por si só e que deixam seja lá o que for - as mídias sociais, outras pessoas - tomarem conta de sua vida.”

Thiago Nigro, que vai lançar um novo livro ainda neste semestre com o qual, ele acredita, os leitores do best-seller de Napoleon Hill vão se identificar de uma “forma misteriosa e conectada”, aponta ainda o “mistério”. “Você fica o tempo todo pensando: será que o diabo existe? Será que o diabo é um lado negativo da minha mente? Será que Napoleon Hill de fato falou com o diabo? E independentemente da sua conclusão, ele coloca um lado negativo da nossa mente como um sabotador dos nossos resultados, porque eles acabam impactando as nossas ideias. É um livro muito desafiador de ler, muito engajante, e que traz transformações reais.”

Leia um trecho

“(...) Acredito que a entrevista contenha informações de benefícios práticos para todos aqueles que ainda não acharam a vida amigável, e a razão pela qual eu acredito nisso é que eu fiz com que o tema central deste livro me trouxesse toda felicidade de que preciso, na forma que mais se encaixou na minha natureza. Eu tive o suficiente de experiências com os princípios mencionados pelo Diabo, de tal forma que posso assegurar que eles farão exatamente o que ele diz que farão. Isso é suficiente para mim. Então, passo a história desta entrevista para você, para que, seja da maneira que for, consiga extrair dela o máximo possível de dividendos em termos financeiros e pessoais.

Talvez você consiga grandes valores em termos financeiros, se você aceitar o Diabo como sendo o que ele diz que é, baseando-se na sua mensagem para seja lá o que for que ela lhe possa trazer e que você consiga aplicar da melhor maneira possível, não se preocupando em saber quem é o Diabo ou se realmente ele existe.

Se você quiser minha honesta opinião pessoal, eu acredito que o Diabo é realmente quem ele diz ser. Agora, vamos analisar a sua estranha confissão.

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Após forçar a sua entrada na consciência do Diabo, o “Senhor Humano” começou a entrevista que o Diabo não queria dar, com questões que ele não poderia deixar de responder.

Aqui começa a entrevista com o diabo

P – Eu descobri o código secreto pelo qual tenho acesso aos seus pensamentos. Vim para lhe fazer algumas perguntas muito simples. Exijo que você me forneça respostas diretas e verdadeiras. Você está pronto para a entrevista, senhor Diabo?

R – Sim, estou pronto. Mas primeiro você deve se dirigir a mim com mais respeito. Durante esta entrevista, você se dirigirá a mim somente como “Sua Majestade”.

P – Com que direito você exige tal respeito real?

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R – Você deve saber que eu controlo 98% das pessoas do seu mundo. Você não acha que isso é motivo suficiente para me dar um título de realeza?

P – Você tem prova do que está afirmando?

R – Sim, tenho provas em abundância.

P – No que consistem as suas provas?

R – Consistem de muitas coisas. Se você quer respostas, você se dirigirá a mim como “Sua Majestade”. Algumas coisas você entenderá; outras, não. Para que você entenda meu ponto de vista, descreverei a mim mesmo e corrigirei a falsa noção que as pessoas têm de mim e de onde eu habito. (...)

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Mais Esperto Que o Diabo

  • Autor: Napoleon Hill
  • Editora: Citadel (208 págs.; R$ 49,90; R$ 22,90 de bolso; R$ 29,90 o e-book)
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