Quando menina, ela inspirou o pai, Mauricio de Sousa, a criar a célebre personagem do gibi. Aos 64 anos, Mônica Sousa rememora, em entrevista ao Estadão, sua infância em diferentes cidades, repleta de pranchetas pela sala da casa, quando seu pai ainda lutava para ser um desenhista reconhecido.
Além disso, ela revela a descoberta tardia do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) quando tinha 56 anos. Após a morte de sua mãe, ela começou a investigar alguns sintomas por recomendação médica.
“Na infância, eu achava que era de outro planeta, que não pertencia àquela família. O diagnóstico foi um alívio para entender minhas limitações. É muito difícil para as pessoas que moram com a gente perceberem as nossas particularidades”, refletiu. “Quando eu tenho um dia muito tenso, muito agitado, é como se fosse uma explosão na minha cabeça. Então, preciso parar e ficar quieta, não falar com ninguém. Às vezes, isso até provoca mau humor. Vejo que muitas das reações da Mônica criança têm a ver com o TDAH, como impulsividade e agressão”, observa, referindo-se a alguns momentos de desorganização emocional.
O assunto é um dos temas de sua biografia em lançamento, intitulada Mônica: A Mulher à Frente da Personagem, da Editora Record, assim como seu processo de descoberta do pai famoso, sua trajetória pessoal e profissional.
A diretora comercial da Mauricio de Sousa Produções recebeu a reportagem no colorido estúdio em São Paulo, onde são criadas as tirinhas em programas de computador e também com desenhos feitos à mão. O amplo galpão dentro de um condomínio de empresas é repleto de totens e pelúcias do Sansão, Frajola, Bidu, Anjinho e todos os personagens da Turma da Mônica.
Mônica explicou que, por muito tempo, manteve sua vida reservada, mas, ao final do processo de escrever sua biografia, ficou satisfeita. “Eu fui resistente, não queria fazer de jeito nenhum porque minha vida é muito reservada, mas adorei fazer. Deu trabalho!”
Sobre sua infância, Mônica contou que sua família enfrentou muitas mudanças em seus primeiros anos. “Até os 5 anos, eu morei em seis lugares e estudei em escolas diferentes”, lembrou. Seu pai, ex-repórter policial da Folha de S. Paulo, teve dificuldades ao mudar para a carreira de desenhista. “Quando eu estava para nascer, ele já tinha saído da Folha e não estava fácil”, relatou. Para ter apoio, sua mãe voltou à casa dos familiares em Bauru durante a gravidez.
Mônica continua, contando que depois a família se mudou para Mogi das Cruzes para estar perto da família do pai quando sua irmã Maria Ângela estava para nascer. “Foi difícil durante muito tempo. Morávamos de aluguel e não tínhamos telefone. Essas histórias estão na biografia”, ressaltou.
A biografia também traz como ela progrediu de vendedora até o posto de diretora comercial. “Minha carreira começou aqui na Mauricio de Sousa, na loja da rua Augusta, como vendedora”, explicou ela. “Ali me apaixonei pela área comercial, depois fui para a gerência comercial.”
O livro conta ainda com seus relatos sobre a separação dos pais. “E fala sobre meu irmão que já faleceu e a paixão que eu tinha por ele”, relembrou. E também momentos importantes, como seu primeiro namorado sério e o nascimento de seus filhos.
A Mônica do gibi e a Mônica real
Quando questionada sobre as semelhanças entre a Mônica do gibi e a Mônica real, ela diz: “Com a atual não. Me identifico com a Mônica do gibi de antigamente, sim, porque suas características foram muito inspiradas em mim quando eu tinha três anos. Eu era um pouco impulsiva e não tinha muita paciência, mas ambas foram crescendo e melhorando, tanto a personagem quanto eu, evoluindo para o bem.”
A filha de Mauricio de Sousa fala sobre a autoconfiança da personagem do gibi: “Ela é muito fofa. Tem uma autoestima maravilhosa. A Mônica é legal e ao mesmo tempo manda em todo mundo.” Essa figura forte contrasta com as meninas da sociedade dos anos 60, quando a primeira personagem foi criada. “Ela coloca o Cebolinha para cuidar do coelho, o que a difere das meninas da sua época”, complementa.
A origem dos personagens
Sobre a criação de Mônica, Magali e Cebolinha, ela conta que seu pai se inspirou nas filhas para desenvolver essas figuras que estão presentes em muitas infâncias. “Segundo meu pai, quando ele teve que desenhar sobre meninas, pegou as filhas porque era natural o comportamento”, relembra. “Não tínhamos nos sociabilizado totalmente ainda, então tinha aquele íntimo, aquelas personalidades que moldaram as personagens. A Magali comia muito. E eu era meio agressiva. A Maria Ângela chorava pra burro - era a Maria Cebolinha. As três irmãs mais velhas...”, diz.
A executiva conta que não se identificava durante a pré-adolescência com a baixinha dentuça que não hesita em dar uma lição no Cebolinha. “Quando eu tinha 13 anos e a Mônica do gibi tinha por volta de 7, já me distanciava do cotidiano dela, da vida que ela levava, então era bem diferente”, explica.
Contudo, foi na escola que ela percebeu a relevância do desenhista na vida das pessoas. “Na primeira reunião de pais e mestres, todo mundo queria autógrafo dele. Foi quando eu descobri que meu pai era muito famoso”, diz. “Nesse dia, ele explicou para a gente que tinha criado os personagens baseados em nós três, mas numa faixa etária diferente. Até o cabelo da Mônica foi inspirado no meu porque a minha irmã mais velha me cortou o cabelo daquele jeito todo arrepiado, todo bagunçado.”
A executiva compartilha os desafios de se diferenciar da personagem. “Meu pai sempre dizia que a Mônica ia continuar na idade dela e nós íamos crescer; cada uma teria sua vida, mas de vez em quando ele me levava no programa de televisão e dizia: ‘Essa aqui é a Mônica’ (risos). Eu falei pai e aí… afinal? Ele disse: ‘Tem hora que você é, tem horas que não, né?’”
Ao responder sobre o sucesso dos gibis, Mônica destaca a capacidade da história de se adaptar às mudanças sociais e culturais. “Quando a Mônica completou 50 anos, fizemos uma pesquisa e as pessoas achavam que a idade dela era a mesma que a sua, pois ela está sempre inovando.”
A concorrência das tecnologias
Com as novas tecnologias e redes sociais, Mônica explica como a Turma da Mônica se mantém viva: “Em vendas de gibis, ainda somos líderes. Temos 90% do mercado”, afirma. Ela destaca a importância do contato físico com o papel, tanto para fortalecer hábitos de leitura nas crianças quanto para fortalecer vínculos familiares.
“Temos várias táticas de adaptação, como a Mônica Toy para o YouTube, que alcança mais crianças ao redor do mundo”, conta. Ela diz que não aprendeu a inventar histórias de tanto ler os gibis: “Não, não tenho nada dessa parte, tenho talento para a parte comercial. Eu sei ver se o desenho e o roteiro estão bons, se tem algo errado.”
Mônica: A Mulher à Frente da Personagem
- Autora: Mônica Sousa
- Editora: Record (144 págs.; R$ 69,90; R$ 39,90 o e-book)
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