Por uma divisão entre os herdeiros de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas é negociado separadamente do restante da sua obra. Esse é o motivo pelo qual a Companhia das Letras passa a publicar agora apenas o romance maior do escritor mineiro, publicado originalmente em 1956 e celebrado por sua potência literária como uma das grandes obras de arte do século 20. A editora Global começa em março a publicação do restante dos livros do escritor. O primeiro é Sagarana.
A Companhia das Letras anunciou na semana passada uma edição de luxo do livro, limitada a 63 exemplares, com a capa feita artesanalmente por bordadeiras dos coletivos Teia de Aranha e Linha Nove, de São Paulo, e das cidades de Andrequicé, Cordisburgo e Morro da Graça, em Minas.
O desenho foi inspirado numa arte de Arthur Bispo do Rosário. Cada uma das edições custava R$ 1.190 – custava porque todos os 63 exemplares já foram vendidos.
Dois eventos de lançamento do livro já estão programados, em parceria com o Sesc: em São Paulo, dia 9/4 e em BH, 10/4, com o escritor moçambicano Mia Couto e com leituras de jovens do grupo Contadores de Estórias Miguilim, de Cordisburgo, cidade natal de Guimarães Rosa.
A editora prepara ainda o audiolivro de Grande Sertão: Veredas, com lançamento preparado ainda para este ano. A nova edição do livro adotou como referência a segunda edição, da Livraria José Olympio Editora, de agosto de 1958 – até a quinta edição, em 1967, o autor, conhecido pela obsessão pela integridade do texto, não fez mudanças significativas.
O trabalho de estabelecimento do texto foi feito por Érico Melo, doutor em literatura brasileira pela USP e pesquisador da obra de Guimarães Rosa. Ele também elaborou uma alentada cronologia de vida e obra.
“Quis fazer no sentido de que ela completasse as cronologias anteriores, ela fica no limite de uma pequena biografia”, explica Melo.
“Fiz uma pesquisa nos jornais da época, e também percorri o catálogo eletrônico do IEB de cabo a rabo, são 10 mil itens catalogados do total de 20 mil que estão lá.”
Segundo a nota sobre a edição, presente no livro, as variantes em que se aplicariam mudanças decorrentes de acordo ortográfico foram analisadas caso a caso. Atualizações óbvias como a acentuação de “êle” e “aquêle” foram admitidas, bem como de palavras como “vôo” e “idéia”, que perderam o acento no acordo mais recente. Outras palavras foram restituídas, como “umbùzeiro”, com o acento grave obsoleto.
Para Érico Melo, a nova edição pode ser uma oportunidade de enfatizar a natureza totalmente oral do romance, por ser um elo de aproximação do leitor com o conteúdo denso do livro. “A dificuldade é real no sentido de que o texto exige leitores preparados. Mas esse lançamento poderia ajudar um pouco a tirar essa carga negativa do Rosa por conta dos aparatos da edição, como cronologia, fortuna crítica, fotografias.”
Textos de Silviano Santiago, Walnice Nogueira Galvão, Benedito Nunes, Roberto Schwarz, Davi Arrigucci Jr. e uma breve troca de cartas entre Fernando Sabino e Clarice Lispector completam o livro – depois de uma recomendação de Sabino, Clarice começa a ler o livro e responde: “Estou até tola. A linguagem dele, tão perfeita também de entonação, é diretamente entendida pela linguagem íntima da gente – e nesse sentido ele mais que inventou, ele descobriu, ou melhor, inventou a verdade”.
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