Não está gostando do livro? Como saber se vale a pena insistir ou abandonar uma leitura

A dúvida é comum a todos os leitores, ainda mais após investir tempo e dinheiro em uma obra. Veja a opinião e dicas de especialistas sobre quando dar, ou não, uma segunda chance ao livro

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Foto do author Julia Queiroz
Atualização:

Quando Torto Arado, o best-seller nacional de Itamar Vieira Junior, foi indicado ao prestigiado International Booker Prize, a estudante de medicina Larissa Fagundes, de 22 anos, deu uma boa olhada na lista de concorrentes. Um deles lhe chamou a atenção: Kairos, da alemã Jenny Erpenbeck, que narra o relacionamento entre uma jovem de 19 anos e um homem de 50 no período em que a Alemanha Oriental estava prestes a ruir.

Larissa deu uma chance ao livro, mas não passou da página 50. “Eu fiquei irritada porque [a protagonista] não conseguia perceber que aquilo era um relacionamento abusivo e hierárquico”, lembra. Dois meses depois, veio o anúncio de que a obra fora a vencedora do prêmio. “Pensei: ‘não é possível que aquele livro horrível, sobre aquele relacionamento horrível, seja melhor que Torto Arado. Decidi continuar a ler para ver o que é que tinha de tão bom.”

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A jovem persistiu, meio a contragosto, mas acabou sendo surpreendida: perto do final, já no terceiro ato, a trama toma outro rumo, e o objetivo da autora com aquela história fica claro. “Você passa a entender que ela criou aquela metáfora para falar da Berlim do Oeste e da Berlim do Leste. A sacada que ela faz é muito genial. Fez valer a pena”, diz Larissa.

Se não tivesse persistido no livro, ela não teria feito uma leitura marcante. Mas nem sempre é assim - foi o caso, por exemplo, de Norwegian Wood, romance do japonês Haruki Murakami. “É um autor muito famoso e renomado. Pensei que deveria ter alguma coisa boa ali, mas li até o final e não acrescentou em nada na minha vida”, afirma.

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Como saber, então, se vale insistir? Qual é a hora de abandonar um livro e partir para o próximo, ainda mais depois de ter investido tempo e dinheiro naquela história?

Qual é a hora de abandonar um livro e partir para o próximo? Foto: Prostock-studio - stock.adobe.com

O escritor e influenciador literário Pedro Pacífico (conhecido como Bookster) diz que este é um tema que sempre aparece em suas redes sociais. “É engraçado porque as pessoas têm essa dúvida: devo largar um livro? É como se viesse uma culpa junto. Será que estou abandonando, desistindo de algo? Ou pior: será que não estou entendendo?”

“Mas a verdade, em primeiro lugar, é que não existe livro unânime; já postei centenas de resenhas na minha vida no Bookster e não existe um livro que todo mundo tenha gostado ou não gostado”, continua.

Pacífico também pondera que deixar um livro de lado não significa bani-lo para o resto da vida. “Alguns livros, em alguns momentos da nossa vida, não vão ser as melhores opções. Abandonar também não significa que você nunca mais vai ler, você pode retomar em outro momento”, explica.

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A escritora Natalia Timerman tem uma opinião semelhante: “Às vezes acontece de eu perceber que desisti porque se passaram muitos meses sem que eu abrisse o livro, não necessariamente porque não estivesse gostando, talvez só porque não fosse o momento de ler.”

“O que achamos de um livro pode mudar de um momento para outro, já aconteceu também de eu desistir uma primeira vez e, na segunda leitura, devorá-lo (foi assim com A ilha da Infância, de Karl Ove Knausgård)“, completa a autora de Copo Vazio (Todavia) e As Pequenas Chances (Todavia).

Antes de desistir...

Roberto Amado, professor de literatura e doutorando em literatura americana na Universidade de Indiana, lembra que, até os 20 anos, se orgulhava em dizer que nunca havia abandonado um livro.

“Por mais difícil ou chato que fosse, eu ia até o fim. Até que eu encontrei o James Joyce e seu impenetrável Ulysses. Não resisti ao palavrório excruciante, à narrativa incerta e ao ritmo em câmara lenta”, diz. Mais tarde, leu o clássico do irlandês, cuja trama se passa em um único dia ao longo de mais de 600 páginas. “Fiz até curso sobre ele. Mas ficou a marca do fim do meu recorde”, conta.

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Anos antes, quando Amado entrava na adolescência, ele também quase desistiu de outro clássico: Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. “Eu tinha uns 12 anos e queria ler livros ‘adultos’. Mas na altura da página 20, os ciganos voam de tapete mágico e eu achei que o livro era infantil. Reclamei com a minha mãe, mas ela falou para eu continuar. E Cem Anos passou a ser um dos meus livros favoritos. Resumindo: dê uma segunda chance”, afirma.

Antes de desistir de um livro, avance um pouco mais ou pesquise outras opiniões sobre ele.  Foto: Lev Dolgachov/ Adobe Stock

Pacífico - que é autor de Trinta Segundos Sem Pensar no Medo: Memórias de um Leitor (Intrínseca) - também recomenda uma pequena insistência antes de desistir de um livro. “Não abandone porque você não gostou das cinco primeiras páginas, porque muita coisa pode mudar. Sugiro tentar pelo menos umas 30, 40, 50 páginas.”

Além disso, ele diz que uma boa opção para quem está pensando em desistir de uma obra é pesquisar mais sobre ela em sites de resenhas de leitores (como Skoob ou Goodreads) e ler outras opiniões. “Às vezes, as pessoas vão falar que o começo realmente é mais parado ou mais difícil, mas depois melhora [e a leitura] engata”, diz.

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Hora de seguir em frente

Se a persistência não funcionar, então é hora de seguir em frente. Os motivos para desistir de um livro podem ser vários. Timerman, por exemplo, diz que já abandonou livros “por não gostar de algo muito estrutural, que dificilmente pode mudar no decorrer da leitura, como uma voz narrativa mal construída.”

Pacífico defende que não há nada de errado em simplesmente não gostar de um livro. “Se você realmente não gostou e talvez nunca mais vá mais ler, tudo bem. Tenho certeza que na sua lista há muitos outros livros para ler que provavelmente você vai gostar muito mais. Se não tiver na sua lista, você pode pesquisar, porque com certeza você vai achar. Abandone livros sem medo”, afirma.

Já Roberto Amado argumenta que, se uma leitura não é feita por obrigação, é, então, “por prazer, curiosidade, interesse e fruição”. Se um livro não está te proporcionando nada disso, talvez seja a hora de parar. Para ajudar o leitor que vive este dilema, o professor elencou cinco situações que permitem o abandono de um livro sem dor na consciência:

  • O livro não é o que você esperava ser: “Às vezes pode ser uma boa surpresa [como Cem Anos de Solidão], mas em geral não é.” Dê uma segunda chance e, se não funcionar, siga em frente.
  • Os personagens não convencem: “Se o livro não apresenta personagens que se sustentam, plausíveis, este é um bom motivo para desistir do livro. Você nunca abandonará um livro se estiver apaixonado pelos personagens.”
  • Os temas desafiam suas crença: ”Você tem direito de abandonar um livro se, de alguma forma, ele afrontar suas convicções. Em termos sociais, políticos ou humanísticos. Se você ama gatos, como aguentar uma história em que gatos são maltratados?”
  • Momento e lugares inadequados: “Comecei a ler Dom Casmurro no ônibus para a faculdade. A questão é que eu ficava enjoado, e durante muitos anos o livro de Machado de Assis esteve associado a um profundo mal-estar. Nada justo com o Machadão. Claro que reli o livro em outras circunstâncias e redimi nosso craque da pena. Permita-se conforto, silêncio e concentração para a leitura.”
  • O livro é chato: “Há filmes chatos, músicas chatas, pessoas chatas, futebol chato. Por que não haveria de ter um livro chato? Sim, é totalmente subjetivo. Mas justificável. Numa conversa informal, em que algumas pessoas elogiavam O Livro do Desassossego de Fernando Pessoa, uma professora foi curta e grossa: ‘O livro é muito chato, abandonei no meio’. O comentário causou risos porque, afinal, ela dava cursos de literatura portuguesa. Mas e daí, né?”

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