Ninguém queria Harry Potter no Brasil: agente relembra bastidores do mercado editorial

Com mais de 30 anos de experiência, Lucia Riff testemunhou histórias expressivas do setor

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Foto do author Ubiratan Brasil

O mercado literário é rápido e surpreendente – nos dias em que a agente literária Lucia Riff conversou com o Estadão, na semana passada, surgiram duas propostas estrangeiras interessadas na obra da escritora Lygia Fagundes Telles: uma da Eslováquia e outra da Letônia. “São contratos pequenos, mas que revelam um surpreendente interesse do mercado daquela região”, observa a psicóloga que entrou por acaso no mercado editorial e pilota, há mais de 30 anos, a Agência Riff, a principal negociadora brasileira de direitos autorais literários. Fundada em 1991 (por causa da pandemia, o aniversário de 30 anos é comemorado agora em 2022), a agência tem hoje um catálogo com 180 autores dos mais diversos gêneros literários e nacionalidades. Basicamente, a função consiste em criar uma relação proveitosa entre escritores e editoras para a publicação de livros originais ou traduzidos. Com as novas tecnologias, o mercado se expandiu e também são negociados os direitos para versão para cinema, teatro, séries, quadrinhos, dança e outras áreas. “Mas o essencial sempre foi o contato pessoal”, explica Lucia, que comanda uma equipe de 12 pessoas – incluindo seus filhos Laura e João Paulo que, além de sócios, são responsáveis pelos contatos estrangeiros. Não é surpresa, portanto, que a agente tenha cultivado diversas amizades no meio, incluindo com estrangeiros, como o canadense Michael Ondaatje, para quem, aliás, Lucia acertou recentemente um contrato na Bulgária. “Com a tecnologia atual, ficou mais fácil, pois basta enviar uma cópia do livro em PDF para ser analisado.”

A agente literária Lucia Riff em seu escritório no Rio de Janeiro Foto: Marcelo Martins / Estadão

Muito diferente do início de sua carreira, em 1982, quando, infeliz com as oportunidades que surgiam em sua área (psicologia), decidiu aceitar uma dica oferecida por Paulo Gurgel, filho da escritora Clarice Lispector: a agente dela, a espanhola Carmen Balcells (1930-2015), mítica figura do mercado editorial, responsável por alavancar a literatura de língua espanhola no mundo, precisava de uma pessoa que a representasse no Brasil. “Eu não entendia nada desse mercado, mas Carmen foi muito gentil e me convidou a fazer uma experiência”, conta Lucia, que ficou dois meses no trabalho – só deixou porque a galopante inflação daquela época no Brasil dificultava a vida de quem não tinha emprego fixo. Rumou, assim, para a Nova Fronteira, então uma das principais editoras nacionais. “Era forte como empresa, tinha ótimos olheiros na França e em Portugal, o que permitiu publicar muitos best-sellers, alguns até improváveis, como A Insustentável Leveza do Ser, do checo Milan Kundera.”

A agente literária Lucia Riff com o escritor Ariano Suassuna e sua mulher, Zélia Foto: Acervo Lucia Riff

Em seguida, Lucia seguiu para a editora José Olympio até que, em 1990, recebeu um telefonema de Carmen Balcells, convidando-a para um estágio em Barcelona. Ela foi e, um mês depois, voltou para organizar aqui a agência que, com a saída de Balcells, se tornou sua. Logo formou o primeiro time de autores: Marina Colasanti, Sylvia Orthof, Roberto DaMatta, Lygia Fagundes Telles e Rachel de Queiroz. “Sem ela, eu teria assinado contratos escorchantes, teria me atrapalhado muitas vezes”, comenta Marina. “Tem o bom senso que geralmente me escapa, ao lado da eficácia, marca do seu difícil e diplomático trabalho”, completa DaMatta. De fato, Lucia passou a viver em um mundo bastante peculiar, muitas vezes movido pelo acaso. Ela se lembra de quando Paulo Rocco, dono da editora que leva seu nome, decidiu ajudar um agente literário inglês e publicar, por um valor até baixo, uma história recusada por outros brasileiros: era um tal Harry Potter. “Foi um sucesso que veio para ficar”, comenta ela, lembrando ainda da perspicácia de Geraldo Jordão Pereira, fundador da Sextante: foi ele quem convenceu os filhos a publicar uma obra que não parecia promissora: O Código Da Vinci. “Normalmente, não há tempo para ler todo o original, mas Geraldo leu e percebeu o potencial do sucesso.” 

Lucia Riff com as escritoras Margaret Atwood e Lygia Fagundes Telles, na Flip de 2004 Foto: Acervo Lucia Riff

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Os desafios, de fato, são muitos. “Fui chamada por uma autora que tinha 150 livros e não dava conta de administrar”, conta ela, que também lutou para profissionalizar as relações. “Alguns editores acreditavam que bastava publicar o livro para deixar o escritor satisfeito, sem tratar dos direitos financeiros. Uma autora me contou que seu editor pagou um jantar e já considerava tudo resolvido.”Machado de Assis e Clarice Lispector ainda são os autores nacionais que mais interessam aos estrangeiros. “Novos contratos são motivo de alegria, mas alguns são ainda mais: no ano passado, Lya Luft estava hospitalizada quando uma pequena editora portuguesa surpreendeu e comprou os direitos de Perdas e Ganhos. Lembro emocionada de como ela ficou radiante.” Lya morreu em dezembro.

EVOLUÇÕES Tecnologia

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No início, anos 1980, era telex e fax. “Uma profusão de papel”, diz ela, lembrando agora a vantagem de um PDF.

Venda no exterior

Para que isso aconteça mais, é preciso investir em projetos de apoio à tradução. “E garantir estabilidade no apoio.”

Audiovisual

Há muito interesse em verter livros para outros formatos. “A cada dois dias, temos reuniões com produtoras.”

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NÚMERO 

180 autores A Agência Riff mantém uma lista de 180 autores, entre nacionais e estrangeiros, além de clientes em sete  países, como Reino Unido, Estados Unidos e França

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