Álbuns de quadrinhos que lidam com histórias reais, na maior parte do tempo autobiográficas, sempre tendo em vista emoções e discussões contemporâneas: essa tendência ganha força no mercado internacional e agora chega ao Brasil com vários lançamentos.
“Houve uma onda de quadrinhos autobiográficos famosos – Maus, Persépolis, Retalhos, Epiléptico, Fun Home –, houve uma onda um pouquinho menor de quadrinhos jornalísticos – no Brasil, praticamente só chegou Joe Sacco – e estas duas geraram uma cruza”, analisa o jornalista e tradutor especializado em HQs Érico Assis. “São quadrinhos às vezes meio reportagem, meio testemunho ocular; meio aula de história, meio experiência pessoal; meio investigação de um tema, meio história de vida” – categoria em que se encaixa Não Era Você Que Eu Esperava, e diversos outros lançamentos da Nemo nos últimos meses (destaque para Entre Umas e Outras, de Julia Wertz, Placas Tectônicas, de Margaux Motin e Deslocamento – Um Diário de Viagem, de Lucy Knisley).
“Essa tendência caminha junto com a transformação do perfil do leitor de quadrinhos, tanto no Brasil quanto lá fora”, explica o editor da Nemo, Arnaud Vin. “O padrão ‘jovem adolescente homem’ mudou. O público envelheceu e, mais importante, está se ‘feminilizando’ cada dia mais. É fato. Como é fato o crescimento de autoras de quadrinhos. Desde o surgimento das graphic novels nos anos 70-80, estamos assistindo a um fenômeno novo” – que Vin denomina como “uma graphic novel jornalística, militante. Que descreve o mundo sem necessariamente passar pelo caminho do entretenimento, mas trabalha pelo vivido, pelas emoções, pelo real”. Só no mercado brasileiro em tempos recentes, Assis aponta outros livros na mesma linha: Billie Holiday, de Muñoz e Sampayo (Mino); O Barril Mágico de Lena Finkle, de Anya Ulinich (WMF Martins Fontes); Uma Vida Chinesa, de Li Kunwu e P. Otiê (WMF Martins Fontes); O Árabe do Futuro, de Riad Sattouf (Intrínseca), e Estudante de Medicina, da brasileira Cynthia B. (Veneta).
Na Nemo, o objetivo das publicações é, segundo Vin, encontrar novos leitores e “principalmente novas leitoras. Expandir os horizontes. Fugir do gueto super-herói comics americanos e do seu maniqueísmo anestesiante. Abordar temáticas importantes e relevantes para nos, como o preconceito e a exclusão, a violência contra a mulher, a homossexualidade. Provocar discussões, ser militante de uma certa forma. Mas antes de tudo oferecer aos nossos leitores o imprescindível: emoções...”. O fator mercado também conta: não ficção vende mais, segundo o editor.
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