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“O aborto ainda é tratado como um assunto sujo”, diz Annie Ernaux, ganhadora do Nobel

Na Flip, em Paraty, escritora francesa se emocionou com depoimento de mulher que tomou coragem e falou abertamente sobre o aborto ilegal que fez

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Foto do author Ubiratan Brasil

ENVIADO ESPECIAL / PARATY - A escritora francesa Annie Ernaux falava sobre um tema delicado, a legalização do aborto, quando gritos de euforia foram escutados – a atual ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura conversava com uma plateia dentro de um cinema em Paraty no mesmo instante em que a seleção brasileira vencia a da Sérvia (2 a 0), na tarde de quinta-feira. Era o único evento da 20ª Festa Literária de Paraty, a Flip, que acontecia na tarde desta quinta-feira., 24, e o contraste de sentimentos era gritante.

Autora de uma obra confessional, de precisão por vezes cirúrgica, Annie é o grande destaque da programação deste sábado da Flip. Aos 82 anos, a francesa é autora de livros curtos, em torno de cem páginas, mas escritos de forma direta e por vezes ferozes, que causam grande impacto especialmente no público feminino.

A escritora francesa Annie Ernaux, na 20 Flip, em Paraty Foto: Ubiratan Brasil/Estadão

Foram justamente as mulheres que lotaram o Cinema da Praça, em Paraty, onde foi exibido Os Anos Super 8, documentário dirigido pela escritora com seu filho David Ernaux-Briot, a partir de imagens de arquivo familiar rodadas nos anos 1970. O longa tem a locução de Annie, também autora do texto da narração. “São imagens sombrias mas também solares”, disse ela, lembrando que, na época, já exercitava o processo de escrita.

Aborto

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O encontro em Paraty ganhou uma forte dose de emoção quando uma mulher contou que fizera um aborto ilegal, assunto que jamais havia confessado para ninguém. “Fiquei imensamente tocada com seu depoimento”, disse Annie que, em O Acontecimento (Fósforo), reconstrói o difícil momento em que, aos 23 anos, realizou um aborto clandestino, nos anos 1960, quando isso era ainda crime na França.

”Hoje, mesmo com a legalização em meu país, o aborto é ainda visto como algo vergonhoso, sujo, e tratado de forma reticente por muitos médicos”, conta. “Quando o livro saiu na França, no início dos anos 2000, não houve barulho pois a imprensa da época via como um assunto inconveniente.”

Annie lembrou que, nos anos 1970, 374 mulheres francesas anunciaram terem feito aborto ilegal, medida corajosa que incentivou o processo de legalização em seu país. “Foi uma atitude fundamental.”

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