Luigi Mangione leu The Lorax e How to Break Up With Your Phone, guias de viagem do Havaí e livros sobre saúde da coluna vertebral. Entre seus favoritos estão The Four-Hour Work Week e Admirável Mundo Novo. Este ano, ele escreveu uma resenha comedida e deu quatro estrelas para Industrial Society and Its Future, mais conhecido como o Manifesto Unabomber, elogiando a visão do autor, mas observando que ele havia sido “preso justamente” por suas ações violentas.
Agora que Mangione foi acusado pelo assassinato de Brian Thompson, o CEO da UnitedHealthcare que foi fatalmente baleado na calçada de um hotel em Manhattan na semana passada, seus hábitos de redes sociais substituíram as capturas de tela das câmeras de segurança como objetos de obsessão online. Uma conta agora privada no Goodreads, a popular plataforma para registro e avaliação de livros, que a polícia identificou como pertencente a ele, tem sido especialmente intrigante para análises psicológicas e ideológicas de especialistas de mesa de bar.
Será que esse catálogo dos livros de que ele gostava e dos que pretendia ler algum dia poderia oferecer uma pista sobre seus motivos? Uma luz sobre como um jovem com passado privilegiado e uma educação de elite poderia ter se transformado em acusado de assassinato?
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Será que foi a dor? Mangione, que, segundo amigos, estava sofrendo com uma lesão nas costas, listou alguns livros sobre o assunto. Ou será que seu interesse pela fábula ecológica de Dr. Seuss e pelo discurso ludita de Ted Kaczynski implicava um compromisso com o ambientalismo radical, um desencanto com a modernidade também evidente em livros sobre economia agrária e a sabedoria do mundo antigo? Talvez esses títulos, além de Freakonomics e de uma biografia de Elon Musk, apontem para um certo libertarianismo meio maluco do Vale do Silício, uma variante da política de direita e masculina sobre a qual tanto se tem falado desde a eleição.
Os hábitos de leitura de Mangione o posicionam à direita ou à esquerda? Essa pergunta, inevitável nos dias de hoje, talvez nem faça sentido. Em uma postagem no Bluesky, o escritor e historiador cultural Mark Harris descreveu Mangione como “um tipo muito reconhecível de jovem turista ideológico do sexo masculino” - viciado no “Isso Explica Tudo”, sem vínculos com um sistema de crenças coerente. Muitos dos livros citados em seu perfil - The Singularity is Nearer, de Ray Kurzweil, Sapiens, de Yuval Noah Harari, How to Change Your Mind, de Michael Pollan - atestam o apetite por uma ciência social popular abrangente e explicativa.
Na prateleira “Quero ler” de Mangione estavam Moby-Dick e Graça Infinita, romances notoriamente difíceis de terminar e que estão na lista “algum dia” de muita gente.
O que Sapiens, Grit, de Angela Duckworth, a biografia de Robert J. Oppenheimer, American Prometheus, How to Change Your Mind, The Lorax e muitos outros títulos escolhidos por Mangione têm em comum? Todos são best-sellers. E a maioria pertence a um subgênero de não ficção reconhecível: livros que se encaixam confortavelmente no universo de podcasts, Substacks e palestras do TED.
Por mais tentador que seja extrair sinais de radicalização do histórico de leitura desse jovem, a impressão predominante é a de um cara bem normal. Assim como muitos americanos com uma formação parecida com a sua, as aspirações literárias de Mangione se guiavam pelo que todo mundo estava lendo ou achava que deveria ler.
Seu perfil no Goodreads, em outras palavras, é exatamente o que se pode esperar de um recém-formado em ciências da computação com uma orientação geral para o autoaperfeiçoamento. Ele lê (e deseja ler) livros que vão ajudá-lo a refletir sobre as grandes questões, ao mesmo tempo em que busca conselhos práticos sobre como aprimorar corpo e mente.
É possível que um desses livros - ou alguma combinação deles - tenha ajudado a levá-lo à violência. A leitura às vezes tem esse efeito, e é assustador considerar que alguns dos produtos mais corriqueiros do mercado contemporâneo possam ter alimentado uma imaginação homicida. Mas a leitura também pode conter e moderar impulsos antissociais: o leitor absorto no livro está, pelo menos por enquanto, no lado seguro da fronteira entre pensamento e ação.
O mais revelador do histórico de Mangione no Goodreads não é o que ele leu, mas que talvez tenha parado de ler. Desde o início de 2023, sua atividade na plataforma diminuiu. Nos últimos seis meses, segundo relatos, ele também deixou de ter contato com amigos e familiares, ficando cada vez mais isolado. Ainda não sabemos o que aconteceu durante esse período, e é improvável que qualquer livro ou resenha possa explicá-lo. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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