Em 18 de setembro de 1910, o Jornal de Alagoas publicou um inquérito com um jovem literato alagoano que assinava G. Ramos de Oliveira - então com 17 anos, ele demonstra uma erudição impressionante ao listar impressões sobre O Guarani (que lera aos 10), afirmar que o “realismo nu de Adolfo Caminha e a linguagem sarcástica de Eça de Queiroz” o influenciaram e ter a capacidade de autoironia suficiente para dizer que seus primeiros textos, “pequeninos contos”, foram “verdadeiras criancices”.
Essa é a primeiro das 25 entrevistas que Graciliano Ramos (1892-1953) concedeu a jornais e revistas durante sua vida, agora reunidas em Conversas (Record). O livro ainda traz respostas do escritor a enquetes e depoimentos, e ganha um lançamento de luxo: a exposição Conversas de Graciliano Ramos foi montada no MIS de São Paulo baseada no projeto de pesquisa de Ieda Lebensztayn e Thiago Mio Salla, com curadoria de Selma Caetano. A mostra fica aberta até o dia 9 de novembro e tem entrada gratuita - até ontem, a exposição ficou fechada para visitação por motivos de segurança. Nesta segunda-feira, ocorre no MIS o lançamento do livro, às 19h, com presença de familiares do escritor e dos organizadores - em um coquetel aberto ao público.
A exposição foi montada de modo a dar voz a Graciliano - da sua voz mesmo, não existe nenhum registro. As entrevistas então são uma forma direta de ouvir o que o escritor tinha a dizer além da sua produção ficcional. “Foi legal mostrar como o Graciliano falava de tudo, contrariando uma imagem sisuda”, diz a curadora Selma Caetano. Todas as frases estampadas nas paredes são do próprio Graciliano.
Selma viajou, junto com o fotógrafo Walter Craveiro, por cidades de Pernambuco e Alagoas que têm ligação com a vida do escritor. O intercâmbio entre acervos – do Arquivo Público de Alagoas, do Museu Casa Graciliano Ramos, do Projeto Portinari e do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP) – possibilitou uma reunião particular de imagens sobre a vida do escritor, de acordo com a curadora.
Há mais de dez anos pesquisando a obra de Graciliano, Ieda Lebensztayn e Thiago Mio Salla foram além do trabalho de compilação no livro: com intenso contato com fontes primárias, como jornais e documentos oficiais, eles apresentam aqui uma contribuição, também, para a história da imprensa no País, ao pontuar o livro com uma profusão de notas de rodapé que situam as entrevistas no contexto da publicação.
Um traço marcante apontado por Conversas, segundo os pesquisadores, é que a construção das principais obras do escritor “partiu de contos, de modo que os capítulos se singularizam por sua força dramática, concisão e autonomia”. “Tal particularidade formal se deve à concepção realista de Graciliano, que se empenhou por concentração dramática e estilística, e à sua necessidade financeira, que o levou a publicar contos/capítulos, crônicas e artigos na imprensa”, afirmam os pesquisadores, por e-mail.
O segundo volume de Conversas, ainda por concluir, reunirá depoimentos de amigos e familiares, também publicados na imprensa - gente como José Lins do Rego, Jorge Amado, Rubem Braga -, assim como uma entrevista inédita com Luiza Ramos Amado, filha de Graciliano.
Salla destaca um dos depoimentos dado pelo escritor à revista Diretrizes, em 1942. Perguntado se “poderia um nazista escrever um poema?”, Graciliano responde: “sim, devem fazer também poemas. Se não os fizessem, abandonariam completamente a espécie humana”.
“Ele atrela o conceito de ‘humanidade’ à possibilidade de criação artística”, conclui Salla. CONVERSASOrg.: Ieda Lebensztayn e Thiago Mio Salla Editora: Record (420 págs. e 20 págs. de encarte, R$ 48) Lançamento com coquetel aberto ao público, segunda, às 19h, no MIS
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.