Os 100 anos de Bukowski, o velho safado da literatura marginal

Outsider literário, Bukowski retratou no papel os dramas da própria vida, mas sua misoginia vem sendo reavaliada criticamente

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Henry Chinaski foi uma das mais interessantes figuras da literatura no século 20: o anti-herói marginal perfeito, alcóolatra, mulherengo, misantropo e misógino, cheio de defeitos e com quase nenhuma qualidade — a não ser as essencialmente literárias. E neste domingo, 16, Chinaski completaria cem anos. Quer dizer, não é bem assim. Com ele, quase nada é “bem assim”. Protagonista de diversos romances de Charles Bukowski, Henry Chinaski é seu alter ego, cujas aventuras são majoritariamente inspiradas em experiências reais da vida agitada de seu autor.

O escritor alemão-americano Charles Bukowski Foto: Ulf Andersen/The New York Times

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Nascido Heinrich Karl Bukowski, em 16 de agosto de 1920, na Alemanha, filho uma alemã e um soldado germano-americano que atuava na ocupação alemã após a 1ª Guerra Mundial, o escritor passou praticamente a vida inteira nos Estados Unidos. Desde a infância, Bukowski testemunhava dentro de casa o modelo de brutamontes que representaria em sua literatura, com seu pai agressivo e nada afetuoso, que batia na mulher e no filho. 

Durante a 2ª Guerra, após ser reprovado no serviço militar por falhar no exame psicológico, Bukowski partiu para Nova York para tentar ganhar a vida em trabalhos braçais, enquanto sonhava em se tornar um escritor reconhecido. Apesar de alguns poucos contos publicados (incluindo um sobre um escritor que recebia uma longa carta de rejeição, que foi seu primeiro texto publicado), ele chegou a desistir da escrita por conta da frustração com o mercado editorial e passou anos sem produzir nada. Foi justamente o período que lhe serviria de matéria-prima para sua obra posterior.

Nos anos 1950, Bukowski tinha uma vida completamente errática. Foi aí que nasceu verdadeiramente Henry Chinaski, com todo o seu cinismo. Bukowski vivia de bico em bico e de bar em bar, passando por quartos baratos de hotel e rodando o país todo. Quase morreu por conta de uma úlcera, mas ao fim dessa década perdida, começou a publicar seus poemas em revistas independentes e vanguardistas. Sua biografia Bukowski - Vida e Loucuras de Um Velho Safado, escrita por Howard Sounes, coloca em dúvida alguns dos "mitos" erigidos posteriormente pela literatura de Bukowski sobre essa época, sugerindo que ele talvez tenha exagerado um pouco ao retratar o próprio sofrimento.

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A partir dos anos 1960, Bukowski se fixou num emprego no serviço postal americano em Los Angeles e passou a escrever e publicar com mais regularidade. Foi nessa época que ele publicou vários de seus contos mais célebres, coletâneas de poemas e assinou a coluna Notas de um Velho Safado no semanário independente Open City. Graças a esses trabalhos, em 1969 ele passou a se dedicar exclusivamente à escrita e, na década seguinte, publicou os romances que o eternizaram na literatura americana.

Cartas na Rua (1971), Factotum (1975), Mulheres (1978), Misto Quente (1982), Hollywood (1989) e o póstumo Pulp (1994) compõem um conjunto de depravações, obcenidades, vícios e hedonismo. Esses elementos são personificados em seu anti-herói e alter ego Chinaski (que só não protagoniza Pulp, uma história que remete ao cinema noir, mas sobre um detetive particular durão, mulherengo e sem dinheiro) e inspirados em seus anos mais erráticos e desesperados.

Bukowski morreu vítima de leucemia em 1994 e, com ele, toda uma era se foi. Se por um lado a sua obra romanesca faz dele um dos grandes nomes da literatura marginal — embora ele não tenha se afiliado a nenhum movimento de contracultura, como a geração beat —, por outro os últimos anos têm levado sua escrita a sofrer uma reavaliação crítica, especialmente por conta de sua misoginia explícita. É certo que seria impossível o surgimento de um novo Bukowski hoje em dia. Chinaski não sobreviveria ao século 21.

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