Nascida em Moçambique em 1972 e criada em Portugal, Ana Cássia Rebelo é um novo nome da literatura lusófona nas livrarias brasileiras. Seu Ana de Amsterdam, compilado de textos publicados em seu blog homônimo, foi lançado pela Globo este ano. Advogada em horário comercial, mãe de três filhos, a autora recorre ao blog para falar sobre si. E é justamente para abordar o tema da ficção e confissão que ela foi convidada para Pauliceia Literária, que começa nesta quinta-feira, 15.
Até sábado, 17, o festival vai reunir bons nomes da literatura nacional, como os cronistas do Caderno 2 Marcelo Rubens Paiva, que divide a mesa com Ana Cássia, Humberto Werneck e Luis Fernando Verissimo, o homenageado desta edição, que falam sobre crônica, e também Cristovão Tezza, Bernardo Kucinski, Veronica Stigger e outros. Entre os estrangeiros, o português José Luis Peixoto – ele, sim, um velho conhecido dos leitores brasileiros. Veja a programação abaixo.
Idealizada pela Associação dos Advogados de São Paulo para ser um evento focado na literatura policial, um dos gêneros preferidos de seus associados, ela, agora em sua terceira edição, perde esta característica e passa a ser mais eclética – e gratuita (inscrições pelo site). “A ideia não é ter um tema que percorra as mesas, mas a presença de autores falando sobre os vetores da literatura”, comenta o curador Manuel da Costa Pinto.
De volta a Ana Cássia, que sempre se identificou com o verso “Sou Ana do Oriente, Ocidente, acidente, gelada” da música Ana de Amsterdam, e por isso batizou seu blog assim. “Ao longo destes anos, me interroguei sobre a mulher da canção, mas nunca procurei saber quem era. Ana de Amsterdam, mulher gelada, gelada como eu me sentia, permaneceu durante muito tempo uma desconhecida para mim”, conta a escritora, que só mais tarde soube que a música fazia parte da peça Calabar, de Chico Buarque e Ruy Guerra.
Em seus textos sensíveis e com qualidade literária reconhecida pela crítica portuguesa, acompanhamos uma mulher lutando com seus fantasmas, se descobrindo, lidando com as limitações e com a depressão. Uma mulher real, que escreve sem rodeios, se expõe.
Sobre o que procura com essa escrita íntima e confessional, ela diz que tinha um blog, no qual publicava diariamente um texto superficial, mais opinativo. Aos poucos, eles foram adquirindo uma natureza íntima e, a certa altura, passou a haver um diálogo entre aquilo que escrevia e a realidade que vivia. “A escrita, essa escrita, tornou-se numa espécie de vício. Por estranho que pareça, quando escrevia sobre mim, ainda que fosse pela confissão do desespero, da solidão, da falta de prazer, sentia que dava corpo à minha vida, dava-lhe ordem, também uma beleza que de outra forma seria inalcançável.”
Ana Cássia acredita no poder transformador da arte em geral, sobretudo dos livros. “O mundo de um leitor é diferente do mundo de um não leitor: os livros explicam e complicam o mundo. Em relação à escrita, sinto que através dela dou vida à minha vida. Mas os problemas continuam lá, não se resolvem por ter escrito sobre eles”, comenta.
A autora já pressentiu um burburinho aqui, um olhar desconfiado ali, mas conta que nunca houve uma manifestação contrária ao livro ou a ela. “E por que haveria de haver? É certo que escrevo sobre masturbação, frigidez, ideias suicidas, desespero, sobre o fardo da maternidade. Faço-o como mulher e com uma determinação firme. Mas não confesso nenhum pecado, nenhuma ignomínia.”
Seus filhos dão pouca importância ao que ela escreve, mas sentiram o baque quando leram sobre a depressão da mãe. “Isso lhes causou a início confusão, tristeza, até culpa. No entanto, a publicação do livro foi uma oportunidade para falarmos abertamente da minha doença. Eles conhecem a mãe que têm, conhecem a minha fragilidade, mas também a minha força. Sabem que o amor por eles e deles me salva”, comenta Ana Cássia.
Às vésperas de sua viagem ao Brasil, ela, que tem um romance pronto e nenhuma esperança de vê-lo editado, disse que conhece muito pouco da literatura brasileira e culpa o mercado. “Ao contrário do que acontece com os novos escritores portugueses, publicados e divulgados no Brasil, em Portugal, com algumas exceções óbvias, publica-se e lê-se pouca literatura brasileira. Os autores brasileiros são ignorados até ganharem um prêmio. O Raduan Nassar, apesar de publicado, era um total desconhecido dos portugueses. Depois de ganhar o Camões passou a andar na boca de toda a gente. Aconteceu o mesmo com Dalton Trevisan. Um dia, perguntei a uma amiga editora a razão pela qual não se publicavam mais livros de escritores brasileiros. Respondeu com sinceridade: ‘Os brasileiros não vendem’. É bastante triste que seja o mercado a definir os critérios editoriais.”
Confira a programação
Quinta, 15 11h - Abertura Autor em Foco: Luis Fernando Verissimo em bate-papo com Humberto Werneck
15h - Ficção histórica e história agônica Ana Miranda e Raimundo Carrero
17h - Anos de Chumbo: Ontem e Hoje Bernardo Kucinski e Julián Fuks
19h - Fantasmas da escrita Cristovão Tezza
Sexta, 16 11h - Orientes próximos Oh Sae-young (Coreia do Sul) e Moacir Amâncio
15h - Cronistas da irrealidade cotidiana Fernando Bonassi e Humberto Werneck
17h - Espaços ocupados Veronica Stigger
19h - Variações sobre o passado Alan Pauls (Argentina)
Sábado, 17 15h - Luto, adultério, melancolia Ana Luís Escorel e Milena Busquets (Espanha)
17h - Ficção e confissão Ana Cássia Rebelo (Portugal) e Marcelo Rubens Paiva
19h - Despovoados José Luiz Peixoto (Portugal)
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