Pedro Bandeira está com um livro novo para crianças: Tutifruti: Venha Para a Feira da Alegria. O autor de A Droga da Obediência e de vários outros sucessos com os personagens da turma Os Karas, lidos por muitas gerações de pré-adolescentes brasileiros, tem preferido escrever para os pequenos leitores.
“É de pequenininho que se torce o pepino. Se a gente puder botar o livro, bons e agradáveis livros na mão das crianças pequenas, dos bebês, elas têm mais chance de chegar na adolescência já sendo um leitor”, contou ao Estadão numa tarde tranquila na Livraria NoveSete, na Vila Mariana, uma das primeiras do País dedicada à literatura infantojuvenil.
Aos 81 anos, 130 livros no currículo e nada menos do que 29 milhões de exemplares vendidos, ele falou, nesta entrevista, sobre infância e incentivo à leitura, o cuidado que devemos ter com o nosso “lado emocional”, censura, leitura sensível e revisão histórica, e comentou sobre seus três maiores sucessos: A Droga da Obediência (1984), A Marca de Uma Lágrima (1985) e O Fantástico Mistério da Feiurinha (1986). Confira trechos da entrevista abaixo.
Antes, duas dicas
- Quem quiser garantir autógrafo do escritor, ele estará na Shopping Pátio Higienópolis (Av. Higienópolis, 618), neste sábado, 24, das 15h às 17h, para o lançamento de Tutifruti: Venha Para a Feira da Alegria. O livro foi publicado pela Moderna, custa R$ 65 e traz divertidas ilustrações de Mariana Munhoz criadas a partir de fotografias de frutas e legumes que ela manipulou para ganhar bocas, olhos, etc.
- A Droga da Obediência ganhou uma adaptação para teatro musical e vai estrear em julho, em São Paulo. O espetáculo dirigido por Allan Oliver, sobre uma turma de adolescentes - Os Karas - que tenta impedir o Doutor Q.I. de subjugar a humanidade aplicando na juventude uma perigosa droga, fica em cartaz de 2 a 30 de julho no Viradalata Espaço Capital (Rua Apinajés, 1.387). Os ingressos já estão à venda no Sympla e custam entre R$ 50 e R$ 130.
Entrevista com Pedro Bandeira
O senhor está escrevendo mais para criança ou para adolescente?
Neste momento, mais para criança porque eu tinha pouca coisa para elas. Mas tem outra razão: é de pequenininho que se torce o pepino. Se a gente puder botar o livro, bons e agradáveis livros na mão das crianças pequenas, dos bebês, elas têm mais chance de chegar na adolescência já sendo um leitor.
As crianças e os adolescentes de hoje são iguais de quando você começou?
Qualquer criança adora ouvir uma história. Aliás, qualquer adulto adora ouvir uma história. Nós colocamos a culpa do pouco amor do nosso filho pela leitura no videogame, no celular. O menino está lá no celular, o pai chega do trabalho e fala: ‘filho, vamos jogar bola com o papai?’ Ele não larga? Claro que larga. Ele prefere o pai em primeiro lugar. O pai não diz: ‘olha o livrinho que eu trouxe, vamos ler juntos? Ela não faz isso. A culpa é do videogame? A culpa é sempre nossa. A culpa é da família.
E os adolescentes?
O adolescente tem que estar preparado antes. A adolescência, principalmente, é um momento que, em turma, você é animado e fala, mas, sozinho, você se retrai Então, nessa retração, se você não joga bola com ele, se não conversa, não está sempre na vida dele, ele se retrai mesmo e, ao se retrair, ao fechar a porta do quarto, ele vai ficar lá sozinho com um fone de ouvido. É como se a gente os exilasse, os segregasse. Não são eles que se autossegregam.
Há um movimento hoje no mercado editorial de ‘leitura sensível’, feita por alguém que vai identificar se aquele conteúdo pode agredir alguém ou algum grupo, se tem alguma coisa que vai gerar muita polêmica, numa tentativa de lançar um livro ‘menos problemático’. Acontece com livros novos e com clássicos. Aconteceu com Lobato, e recentemente com Roald Dahl. Como o senhor vê essa revisão da literatura?
A história é a história e está lá. Você pode se aprofundar na história, e a literatura ajuda até a entender a história. Ela fotografa o seu tempo. Como você vai poder censurar Os Irmãos Karamazov, que é a história de uma família se destruindo? ‘Não, a família não pode se destruir, então não pode ler Os Irmãos Karamazov’. Crime e Castigo… O sujeito mata duas velhinhas a machadada. ‘Como? Tem que proibir esse livro’. Para com isso. Coisa ridícula. Gente, o que é isso? Como podemos ser donos da história? Como podemos ser donos da literatura?
Quem tem o direito de mexer no Dahl? Eu, por exemplo, gostei muito do Tarzan. Mas ele é um branco, que vive na floresta, nu, e domina a floresta inteira. Quer dizer, os brancos dominando toda a África. É o livro mais colonialista que você vai ler. Por isso eu virei colonialista?
Agora, Lobato tem um livro que eu execro: o Caçadas de Pedrinho. Os meninos saem para matar uma onça. Na época, para um fazendeiro como ele foi, uma onça era uma coisa perigosa porque invadia e matava todos os bezerros. Então era preciso se livrar dela. Mas, hoje, matar uma onça? A onça é o animal mais lindo do mundo, você tem vontade de abraçá-la de tão bonita que é. Nós temos que proteger aquilo. Então, imagina se eu daria esse livro para o meu filho. Eu dei Reinações de Narizinho, mas não dei Caçadas de Pedrinho.
Existe outro movimento, mais forte hoje nos Estados Unidos, de censura a livros. São pais, grupos, políticos que se organizam na tentativa de tirar alguns conteúdos das bibliotecas e das escolas.
Tirar um livro de uma biblioteca é achar que você pode apagar a história. Apagar o passado. Só rindo, né? O Hitler queimou pilhas de livros, dos maiores autores do mundo, e estão todos vivos, estão todos aí. É impossível apagar a história. É impossível apagar a literatura. Podem tentar, e sempre tentaram. Antes, nem se publicava. A censura era prévia. Isso foi mudando até que chegou um tempo em que a liberdade é bem maior. Aí a reação também é mais violenta.
O senhor passou por isso em 2016, com A Marca de Uma Lágrima, quando a mãe de uma aluna de Belo Horizonte se incomodou com o livro indicado pela escola.
Não foi só essa vez não. Eu já tive casos de censura de pais muito grandes. Principalmente com os livros sobre adolescência Quando eu vou escrever, eu tenho que escrever para o meu leitor - e não para o professor, nem para o acadêmico ou para o crítico. Nem para os pais. Escrevo para o filho dele. E o filho dele está vivendo uma série de coisas. Seu eu tiro essas coisas, não serve. Tenho que colocar a realidade do meu leitor. Um pai disse que a filha tinha 13 anos e ainda estava na idade de brincar com boneca. Ele pensa, mas sabe-se que ela já menstruou, que já é uma mulher e está brincando com outro tipo de boneca. Se eu não puser, ela não vai gostar do meu livro.
Quando escrevo sobre a Maria Isabel, em A Marca de Uma Lágrima, eu tenho que contar a sua verdade. Ela é uma menina sozinha, não tem irmãos, a mãe não dá atenção a ela. Ela é muito intelectualizada porque fica sozinha lendo e tudo mais, sem informação, porque nunca teve ninguém que explicasse as coisas da vida. Ela tem toda uma cultura livresca, mas as emoções dela estão fracas. Então ela fica desesperada. Depois passa, mas aquele momento é a verdade. É de verdade a dor dessa menina, desse menino. Faz parte, é do jogo da vida. Na minha época, se houvesse livros assim eles teriam feito muito bem para mim. Mas não havia.
Se houvesse a presença de uma mãe, de um pai, que que conversasse…. Mas, não, ‘eu corto, não falo desse assunto’. A criança e o adolescente ficam isolados com suas dúvidas.
Esse livro tem quase 40 anos. Como o senhor recebeu essa notícia, tanto tempo depois?
Você não pode imaginar que é possível botar o seu filho numa redoma como puseram a Rapunzel. Puseram a Rapunzel numa torre sozinha e ela deu um jeito de jogar a trança para o príncipe subir. Não podemos botar uma criança na torre. É absurdo isso. Impedi-la de crescer, Ela tem de conhecer o mundo de maneira doce pelos lábios do pai e da mãe, e não de maneira suja como a boca da rua. A saída da escola foi indicar outro livro para a criança. Os outros 39 leram A Marca de Uma Lágrima. É claro que ela deve ter lido o livro escondido. Não ia ficar curiosa?
Mas não tem nada no livro, a não ser o desespero daquela menina que está explodindo de hormônios, que fica sonhando com o rapaz. Cada um tem o direito de pensar como quiser, mas não tem o direito de tentar fazer com que os outros pensem como ela, censurando, tirando. Agora, o mundo sempre foi assim, desde a inquisição. O que está havendo é uma grande reação ao progresso. Mas o progresso você não deterá.
Que balanço o senhor faz até aqui?
Que foi bom ter conseguido achar essa profissão porque eu posso nunca me aposentar. Se eu tivesse perseguido minhas carreiras anteriores, de jornalista ou de publicitário, eu já estaria aposentado há um tempo. E o que eu ia fazer da minha vida? É gostoso. Eu estou trabalhando para a formação do ser humano brasileiro, ajudando ele a crescer, falando das emoções dele. Quer profissão mais gostosa que essa? Enquanto aquele alemão chato (Alzheimer) não me pegar, estou aí. Minha amada Tatiana Belinky tinha quase 95 anos e ainda escrevia sentadinha, com uma almofada e um caderninho no colo. Edir Lima morreu com 97 e saiu um livro dela depois disso. Que beleza! Que beleza essas pessoas que deram a vida justamente para literatura infanto-juvenil. Para um país que precisa de um futuro como o nosso, precisamos preparar os adultos que vêm por aí. A literatura infantojuvenil é absolutamente indispensável.
O que é o Tutifruti?
É um livro para bebês no colo da mamãe até a pré-alfabetização. Essa é a fase do animismo, em que o ser humano acredita que tudo tem vida. O animismo é fundamental nessa idade, e funciona mais do que se puser gente como personagem. Imaginei fazer um livro antropomorfizando legumes, frutas e verduras.
Pedro Bandeira fala sobre seus três livros mais populares
O Fantástico Mistério da Feiurinha
Um livro que eu amo é o Fantástico Mistério de Feiurinha. Ele corresponde ao amor que eu tive pelos contos de fada. Eu fui feito pelos contos de fada. Meus primeiros vilões foram o lobo, da Chapeuzinho Vermelho, a bruxa, da Branca de Neve. É uma história em que vou acompanhando a vida delas depois de casadas. Já são coroas. Os cabelos negros como ébano da dona Branca de Neve já estão cheios de fio branco porque ela não pintava o cabelo lá no castelo. Foi muito gostoso fazer esse livro e por sorte as crianças adoraram. Muita gente encena nas escolas. Amo esse livro.
A Marca de Uma Lágrima
É a história de uma menina, porém, tem muito de mim no sentido de que fui também um adolescente sozinho, pouco informado, que ficava tímido. Alguém vai gostar de mim? Não sou nada. Então eu pus isso lá. Menino ou menina, é igual. Mostrei o amor que ela tinha pela literatura, que era refúgio pra ela, e por sorte esse livro foi muito bem aceito. Durante anos eu recebia cartas. Agora não tem mais carta né? É WhatsApp. Cartas dizendo: Pedro, você escreveu a minha história, eu sou a própria Isabel. É tão lindo ouvir isso. Quero que seja assim. Quero que meu livro seja um espelho. Que o aluno diga: olha eu aqui, poderia ser eu, eu penso assim, eu sofro assim, eu tenho a mesma esperança. Essa é a função da literatura.
A Droga da Obediência
É o mais lido, o meu maior best-seller, com mais de 2 milhões de exemplares vendidos. Foi o primeiro livro que eu escrevi. Escrevi vindo do jornalismo. Fui um jovem jornalista e jovem ator de teatro durante a ditadura militar. A censura foi muito ruim para mim, me feriu muito. Então eu faço um livro para falar para as crianças que existe uma droga, a droga do cala boca. A droga do ‘me obedeça’, do ‘eu que sei’, do ‘não quero saber da sua opinião’, do ‘faça o que eu mando você fazer’. Então eu falo o seguinte: você só tem a liberdade quando aprendeu a dizer não, aprendeu a escolher. Nós temos as drogas comuns que também são a droga da obediência. Porque você tem um menino, com aquela força, aquele sangue, aquela adrenalina da juventude, aí você dá uma droga para ele e ele fica numa boa. Quer dizer, você tira o melhor que ele tem. Você anestesia a juventude. A droga é a coisa mais reacionária que existe.
A Droga da Obediência existe, mas é a droga do cala boca. Tem um medicamento, de depois que fiz o livro, chamado Ritalina, que é dado para crianças super excitadas. Chamam esse remédio de a droga da obediência. É bom? Não sei, não sou psicólogo. Mas a melhor solução é calar, é abafar? ‘Ah, dormiu, ficou quieto, que bom’. Será? Será que é isso que a gente do nosso filho, da geração que depende de nós para crescer? Acho que não é. Quero essa geração de olhos abertos, escancarados, usando aquela adrenalina para levar o Brasil para a frente, do melhor modo possível. E você só vai escolher o melhor modo possível se você deixar a arte entrar no seu coração. Não se feche para isso. Alimente o seu lado emocional. O seu lado emocional te carrega, mesmo que o racional não esteja bem alimentado.
Confira os últimos lançamentos e relançamentos de Pedro Bandeira
Tutifruti (2023; leia mais sobre o livro no final da entrevista)
A Marca de Uma Lágrima (2020; nova edição)
Narizinho - A Menina Mais Querida do Brasil (2019)
Agora Estou Sozinha (2019; nova edição)
Ciúme - A Hora da Verdade (2019; nova edição)
O Medo e a Ternura (2019; nova edição)
O Que eu Quero Pode Acontecer (2018)
Esses Bichos Maluquinhos (2017) - No lançamento, ele concedeu uma entrevista ao vivo na TV Estadão; veja aqui.
* Os livros de Pedro Bandeira são publicados pela editora Moderna
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