O fascínio provocado nos leitores pela sua prosa é semelhante à curiosidade sobre sua verdadeira persona: Elena Ferrante é notoriamente um pseudônimo, uma assinatura que esconde uma figura cuja opção sexual também se desconhece, mas que inspira muita especulação. Acredita-se que tenha mais ou menos 50 anos; que seja mulher e italiana de Nápoles, uma vez que livros como a série napolitana trazem uma descrição detalhada da cidade e de seus costumes. E que, ao contrário da busca pelo reconhecimento, prefere o anonimato. Já se disse ser um homem e também uma tradutora. Apenas seu editor italiano Sandro Ferri conhece sua real persona.
Por meio de suas obras, é possível notar que Elena Ferrante ostenta um sólido conhecimento de autores clássicos gregos e latinos – percebem-se também traços da escrita de Chekhov e Jane Austen, além da confessa admiração por Elsa Morante, nas raras entrevistas que concedeu (sempre por e-mail). Sua carreira literária começou nos anos 1990, com livros como Crônicas do Mal de Amor e o best-seller (na Itália) Um Amor Incômodo.
O estrondoso sucesso mundial só aconteceu, no entanto, em 2011, quando foi publicado na Itália o romance A Amiga Genial, iniciando a tetralogia napolitana. Vertida pela HBO em série de TV, A Amiga Genial inicia uma saga com diversas alusões à história italiana, ambientada em um pequeno canto de Nápoles. Tais características poderiam ter limitado o interesse da obra em outros países, mas o quarteto napolitano de romances foi publicado em 48 países e vendeu 16 milhões de cópias em todo o mundo.
Elena tornou-se uma referência planetária, despertando interesse não apenas pela qualidade literária (feito que conquistou a rara aprovação de público e crítica), mas também pela especulação em torno de sua real identidade. Em 2016, o jornalista italiano Claudio Gatti fez investigações que o levaram a acreditar que Elena Ferrante seria, na verdade, Anita Raja, que trabalha como tradutora na editora Edizione E/O, que publica os livros de Elena. Outro detalhe que reforçaria a tese é que Anita é mulher de Domenico Starnone, um dos mais prestigiados autores da editora. Gatti chegou a essa conclusão por meio de números: ao comparar o enriquecimento do casal, ele afirmou haver uma coincidência com o faturamento provocado pela venda das obras da tetralogia.
Em sua apuração, Gatti dissecou todos os relatórios de finanças da Edizione E/O, unindo, assim, pontas soltas da investigação. Confiante de que sua tese estava correta, o repórter publicou suas descobertas simultaneamente em quatro veículos de comunicação, de distintos países: Il Sole 24 Ore (Itália), Frankfurter Allgemeine Zeitung (Alemanha), Mediapart (França) e The New York Review of Books (Estados Unidos), que serviu de ponte para a republicação em jornais e revistas do mundo. A polêmica, porém, foi tamanha que a Review of Books publicou depois uma nota se isentando da investigação, afirmando que apenas repassou a matéria para outras publicações.
Por fim, houve até quem insinuasse que Starnone seria, de fato, o autor dos livros de Elena. O casal primeiro negou, e depois silenciou.
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