Romance 'Pagu no Metrô' traz episódios inéditos vividos por Patrícia Galvão em Paris

Pelas ruas e arquivos públicos franceses, Adriana Armony refaz os passos de Pagu, que viveu em Paris em 1934 e 1935

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues

Se Pagu no Metrô fosse um livro de não ficção, esse texto começaria por seu final – pela descoberta que Adriana Armony fez sobre a última passagem de Patrícia Galvão (1910-1962), com câncer, pela França, nos anos 1960, enquanto pesquisava uma outra temporada dela em Paris, três décadas antes. Mas o livro é um romance, e contar isso pode estragar a experiência de leitura. 

Adriana Armony descobriu, em envelope lacrado, foto de quando Pagu foi presa em Paris Foto: Archives Nationales de Pierrefitte-sur-Seine/Editora Nós

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Uma nota: Pagu no Metrô pode ser uma obra de ficção, mas tudo ali relacionado à pesquisa é verdade. O alerta é da autora, que tirou uma licença no colégio Pedro II, no Rio, onde é professora, para fazer seu pós-doutorado que envolvia tentar refazer os passos de Pagu e descobrir o que aconteceu com a autora de Parque Industrial entre 1934 e 1935, quando ela deixa o então marido Oswald de Andrade e o filho pequeno, Rudá, para se engajar na luta contra o fascismo na Europa. Em 2019, Adriana embarcou para a França e mergulhou nesta investigação, porque uma leitura feita anos antes, que acabava antes do fim, a tinha deixado com a pulga atrás da orelha.

Essa curiosidade começou quando leu Paixão Pagu (Agir) – ou Autobiografia Precoce, na edição de 2021 da Companhia das Letras. Escrito em 1940 como uma “carta-confissão” ao seu segundo marido, Geraldo Ferraz, o texto acaba com o relato sobre sua passagem pela União Soviética. Mas depois houve Paris, e o que aconteceu lá foi muito pouco retratado em obras sobre Pagu.

“O que me fascinou nesse texto foram as várias camadas e a complexidade da Pagu. E o que me chamou a atenção é que a carta se interrompe quando ela chega a Paris. E que ela não tem um fecho. Termina ali, com ‘Stalin, o nosso guia. O nosso chefe’. Ora, como uma carta não tem uma despedida? Como ela estava escrevendo da prisão, pode ter interrompido ali. Mas esse final parece irônico porque ela já estava meio desiludida com o comunismo. Fiquei pensando: ‘O que será que aconteceu com ela em Paris que não é mencionado?, ‘que silêncio é esse?’, ‘o que esse silêncio quer dizer?’. A imaginação de romancista voa”, conta a escritora, que, em Paris, empreendeu uma grande pesquisa pelos labirínticos arquivos de polícia e de hospitais e em bibliotecas para tentar preencher algumas lacunas biográficas. E preenche.

Pagu, em foto de 1929 Foto: Acervo Geraldo Galvão Ferraz

O livro que lemos, escrito quase em tempo real, narra a saga dessa personagem, Adriana, escritora, em sua busca por respostas, suas descobertas e suas próprias aventuras. 

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Adriana, que faz, antes, uma bela apresentação de Pagu e do contexto histórico, começou a pesquisa pelos arquivos da polícia, porque sabia que ela tinha participado de manifestações, e ouviu logo que boa parte do material tinha sido queimada na Segunda Guerra Mundial. Procurou por Patrícia Galvão, Pagu, Léonie Boucher, nome que ela usou lá, em seus 20 e poucos anos.

Deu sorte na segunda vez – e depois de novo. De inédito, e que tudo bem revelar aqui, está um dossiê com detalhes de sua prisão, a ordem para que deixasse o país, os endereços em que ela viveu e a informação de seu desaparecimento da vista das autoridades. 

A autora encontrou um dossiê sobre Pagu, que ajuda a preencher lacunas biográficas de sua passagem por Paris nos anos 1930 Foto: Archives Nationales de Pierrefitte-sur-Seine/Editora Nós

E mais. Na pasta de Pagu, Adriana encontrou um envelopinho lacrado. “Olhei de um lado, olhei do outro. Pensei: não vou perguntar se posso abrir. Se dissessem que não, eu nunca saberia o que tinha lá. Abri e encontrei uma foto da Pagu, que ninguém conhece, tirada lá quando ela foi pega.” É a foto dupla no começo deste texto, e que ilustra a edição da Nós – apesar, segundo a autora, da tentativa da família de impedir sua reprodução. Ao longo de sua vida na militância, Pagu foi presa mais de 20 vezes. 

Já se sabia que Pagu havia sido internada no final de 1934 na França, mas acreditava-se que era por causa de ferimentos sofridos em alguma manifestação. A pesquisadora não encontrou esta internação, mas descobriu outra – ou, quem sabe, seu real motivo: uma metrorragia (hemorragia no útero). “Fiquei pensando, será que foi um aborto? Será que foi uma agressão e ela teve um aborto?” 

Com essas e outras descobertas e pistas, Adriana foi visitar os lugares mencionados e, passando pelas ruas em que Pagu andava, imaginado a história vivida por ela 85 anos antes, se deixou levar pelo sonho e delírio enquanto mergulhava mais fundo nessas histórias. 

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Romancista e pesquisadora, Adriana Armony viveu um ano em Paris, em busca de Pagu Foto: Acervo pessoal

Era tempo de protestos na França, e os coletes amarelos desafiavam a polícia e tomavam as ruas de Paris. Na tradicional Lavagem da Madeleine daquele ano, nasceu a ala Mulheres da Resistência – e Bolsonaro foi alvo dos protestos. “Comecei a imaginar Pagu ali. Achei que tinha muito a ver a luta contra o fascismo lá e a luta contra o fascismo da Pagu.”

E como Adriana sai desse livro? “Mais múltipla. Encontrei muitas mulheres dentro da Pagu e se desdobrando de dentro de mim. Muitas identidades em uma mulher que viveu tanto tempo atrás cujas histórias, reflexões e sentimentos continuem em mim e em tantas outras mulheres.”

Pagu no Metrô Autora: Adriana Armony Editora: Nós (144 págs.; R$ 62; R$ 43,40 o e-book)

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