Existem alguns sonhos na vida de um jovem escritor: ser publicado por uma editora, ter uma adaptação do seu livro no cinema e que sua obra seja traduzida para outro idioma. Desses três sonhos que Clara Alves, de 29 anos, tem em sua lista, apenas a adaptação para as telas ainda não aconteceu.
A autora de Conectadas (2019) e Romance Real (2022), ambos livros publicados pela Editora Seguinte, escreve desde os 8 anos e está prestes a ver seu último lançamento em outro idioma.
Em conversa com o Estadão, Clara conta sobre o processo de venda dos direitos internacionais de seu último lançamento para a editora Scholastic, a mesma que publicou livros de outros dois jovens escritores brasileiros: Vitor Martins e Lucas Rocha.
“A editora Seguinte estava com uma agente norte-americana nos Estados Unidos e ela queria alguns livros da editora para apresentar lá fora. Minha agente gostou muito de Romance Real e achou que tinha tudo a ver com o público lá fora. Por mais que seja difícil vender livros brasileiros lá fora, a história mistura o Brasil com o Reino Unido e ela [a agente] sentiu que podia ser interessante”, fala durante entrevista.
O processo de venda demorou um pouco mais do que o esperado e a ansiedade por resposta andava lado a lado com Clara Alves: “Ficamos um tempo sem ter notícias e ficava naquela expectativa”. Por mais que tenha demorado, a resposta positiva veio e logo de Orlando dos Reis, um editor brasileiro da Scholastic que mora nos EUA a um tempo.
“Ele [Orlando dos Reis] se interessou pela história, mas eu tentava não criar expectativa, porque ficava pensando: ‘e se não for pra frente?’. No fim das contas rolou, ele se interessou pela história e decidi divulgar essa notícia no dia em que completa um ano do lançamento de Romance Real”, conta, com o sorriso de orelha a orelha.
Foi em 31 de maio de 2022 que Romance Real chegou às livrarias, e aos poucos foi conquistando os jovens leitores. É possível notar a febre do livro com uma busca pelo nome de Clara Alves no TikTok, onde os primeiros resultados na rede social mostram as reações do público ao seu último lançamento.
Um ano depois, o livro alcança outro patamar com a tradução para a língua inglesa e Clara reflete que, mesmo com essas conquistas, às vezes ainda precisa se lembrar de tudo que tem conquistado: “Confesso que ser autor é se cobrar muito, e muitas vezes fico nesse processo de comparação comigo mesma, querendo ser sempre melhor. Só que eu olho para trás e penso em tudo que conquistei, como agora, com os direitos de Romance Real na língua inglesa, podendo chegar a outros países além dos EUA. É muito gratificante”.
A felicidade estampa no rosto de Clara Alves não passa despercebida durante a entrevista. É nítida a empolgação com essa publicação na língua inglesa e em como as expectativas de que a história de Romance Real chegue a mais pessoas com o intuito de ajudá-las com suas palavras.
“É incrível saber que vai chegar a outras pessoas e talvez ajudá-las de outras formas. É a realização de um sonho. Desde que comecei a escrever sou apaixonada pela forma que os livros salvam em momentos de dificuldade, e é o que eu busco levar em todo livro”, fala.
O livro conta a história de Dayana, que deixou o Rio de Janeiro e foi morar em Londres. Mas o que era um sonho virou pesadelo ao ter que morar com seu pai, que não encontra há 10 anos, e sua nova família — o que pode ser a realidade de muitas pessoas.
‘A autora do ‘BookFant’’
A típica frase “mãe, tô na Globo“ nunca fez tanto sentido para Clara Alves do que no último dia 23 de abril de 2023. A autora foi uma das convidadas para participar do BookFant, uma série de entrevistas com jovens autores brasileiros do Fantástico. Entrevistada por Maju Coutinho, Clara falou sobre a história de seu maior sucesso de vendas até agora: Conectadas.
“Isso foi surreal pra mim. Foi a coisa mais incrível que aconteceu na minha vida e agora, claro, com os direitos internacionais de Romance Real”, brinca durante a nossa conversa. A entrevista foi realizada a algum tempo e a escritora já estava até sem expectativas de que fosse ao ar, e só começou a acreditar que era real quando a apresentadora do programa dominical da Globo começou a divulgar.
“Eu pensei em como isso era lindo. Não foi só o meu livro, eles estavam falando de literatura jovem no Fantástico. Teve o livro do Vitor Martins também, que é um livro incrível e faz muito tempo que está na literatura LGBT+. É muito legal saber que para muitas pessoas a literatura jovem tinha essa conotação negativa de não ser tão ‘literatura quanto outros livros’ e agora estamos fazendo esse barulho nas redes sociais, listas de mais vendidos e chegando até no Fantástico. Esse momento estava em outro patamar”, fala.
De livros ‘encalhados’ a venda dos direitos internacionais
A autora carioca escreve desde criança e logo no livro que ‘lançou’ na infância já previa uma legião de fãs nas dedicatórias. Os anos passaram e Clara é considerada uma das autoras best-seller da literatura LGBT+ contemporânea. Com Conectadas, livro lançado há 4 anos, ela alcançou a marca de mais de 100 mil livros vendidos.
Mas não foi tão rápido que ela chegou a este número. Ela relembra que no ano em que lançou o livro, percebeu que não tinha nem esgotado a primeira leva e precisou parar para “repensar tudo”.
“Eu não tinha expectativa de vender tanto. Pra mim, o meu conceito de sucesso, era que o livro poderia vender 10 mil exemplares, sabe? Seria o auge do sucesso e era com isso que eu trabalhava naquele ano. Só que não foi assim desde o início”, conta.
Para sair de um livro que não estava vendendo quase nada para a marca de mais de 100 mil exemplares vendidos, alguns fatores ajudaram Clara Alves. Por exemplo, durante a Bienal do Livro de 2019, no Rio de Janeiro, o lançamento da carioca foi um dos livros “censurados” por Marcelo Crivella.
Como forma de apoio, Felipe Neto decidiu comprar livros com temática LGBT+ e distribuir gratuitamente durante o evento literário, e, claro, Conectadas estava no meio desses 14 mil livros comprados pelo youtuber.
‘Fofoca’ ajudou
Outro ponto que ajudou na divulgação de seu lançamento foi o ‘booktok’ e a trend de ‘fofoca’, que é praticamente fingir que você está falando sobre algo que aconteceu com você ou algum conhecido, mas no final revelar que é de um livro.
“A melhor que coisa que o booktok faz é disseminar e ampliar o alcance do livro. E como o TikTok tem essa ‘força’ de viralizar um conteúdo de uma pessoa que, nem sempre, tem muitos seguidores, você acaba sendo impactado pelo conteúdo de alguém que poderia ser seu amigo. A forma que a pessoa no booktok indica faz com que outras pessoas queiram ler o livro”, fala.
A autora relembra o vídeo que fez com que Conectadas explodisse na rede social, onde uma menina tinha entrado na trend da fofoca e falava que “tinha uma amiga que fingia ser outra pessoa na internet”. O vídeo chegou a 200 mil visualizações. Clara ficou acompanhando o ranking da Amazon dos livros mais vendidos, e lá estava sua obra, no topo da lista.
Olhando pra trás e vendo tudo que tem conquistado até hoje, o brilho no olhar de Clara Alves não desaparece. De orgulho, felicidade ou o misto dos dois, a carioca relembra que usou a literatura como “um gancho para salvar de si mesma e da confusão que estava na sua cabeça”, e nem imaginava onde chegaria com suas palavras.
“Acho que se a Clara de 10, 14 anos atrás chegasse aqui e eu falasse que aquele livro que ‘a gente postou na internet’ deu origem a tudo isso, ela ficaria muito surpresa e muito feliz também”, fala aos risos.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.