Salman Rushdie diz se sentir incapaz de escrever após ataque, mas não vai ‘adotar papel de vítima’

Autor de ‘Os Versos Satânicos’ foi vítima de ataque a faca cometido por fanático muçulmano em agosto do ano passado

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Por Redação

EFE - O escritor Salman Rushdie, que foi vítima de um ataque a faca cometido por um fanático muçulmano em agosto do ano passado, disse sentir-se incapaz de escrever no momento, além de ter uma mão quase paralisada, algo que o impede de digitar um texto.

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Na primeira entrevista que concedeu desde o ataque e publicada em 20 páginas nesta segunda-feira, 6, pela revista The New Yorker, Rushdie, de 75 anos, afirmou que sua criatividade, que nunca decaiu mesmo depois de escrever Os Versos Satânicos - romance que lhe rendeu uma sentença de morte ditada pelo regime iraniano -, está agora profundamente afetada.

“Tenho o que é chamado de transtorno de estresse pós-traumático. Estou tendo muitas, muitas dificuldades para escrever. Sento para escrever e nada acontece. Escrevo, mas é uma combinação de vazio e detritos, coisas que escrevo e apago no dia seguinte”, relatou.

O escritor descreveu a sensação de sentar e esperar pela inspiração como “deprimente”, embora, graças ao terapeuta com quem conversa desde antes do ataque, esteja certo de que não pretende “adotar o papel de vítima”.

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Fotografia publicada pelo escritor Salman Rushdie em sua conta no Twitter mostra sua aparência atual  Foto: Salman Rushdie/ EFE


O último romance de Rushdie - Victory City, que já estava pronto antes do ataque - começa a ser vendido mundialmente nesta terça e desta vez não haverá campanha de divulgação de sua parte, embora não descarte ir a Londres em breve para a estreia de uma peça sobre a personagem Helena de Troia.

O escritor, conforme descrito pelo autor do longo artigo-entrevista, David Remnick, perdeu a visão de um olho e a foto de página inteira que ilustra a reportagem o mostra usando óculos escuros para esconder o olho afetado, o que não impede que se veja a longa cicatriz que cruza um lado do rosto de cima para baixo.

As mais de dez facadas que seu agressor lhe infligiu também deixaram sua mão esquerda quase inutilizada, já que o nervo ulnar está gravemente danificado e ele perdeu a sensibilidade em dois dedos e parte da palma da mão. Tudo isso o impede de digitar e, quando se trata de escrever à mão, explicou que o faz “mais devagar”.

NÃO CONSEGUE ESCREVER, MAS NÃO PERDE A ELOQUÊNCIA

O escritor não só perdeu 20 quilos após o ataque e um dos olhos, além de problemas de mobilidade no braço esquerdo, como agora tem um movimento involuntário em um lábio que felizmente não o impede de “falar com a eloquência de sempre”, segundo Remnick.

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Sento para escrever e nada acontece. Escrevo, mas é uma combinação de vazio e detritos, coisas que escrevo e apago no dia seguinte

Salman Rushdie

Rushdie deixou de lado um projeto que tinha para um futuro romance inspirado ao mesmo tempo em Franz Kafka e Thomas Mann e, embora no início tenha ficado “irritado” com a ideia de escrever sobre o ataque que sofreu, agora não a descarta e acredita que deveria ser uma história escrita em primeira pessoa.

Quanto à sua segurança, o escritor, que quase desistiu depois de se mudar para Nova York há quase duas décadas, agora admite que terá de pensar sobre isso. De momento, e após as primeiras seis semanas de internação, vive confinado na sua própria casa, com a única exceção das visitas frequentes a vários médicos.

Tenho sofrido de pesadelos, que tendem a diminuir. Estou bem, consigo me levantar e andar

Salman Rushdie

“Tenho sofrido de pesadelos, que tendem a diminuir. Estou bem, consigo me levantar e andar. Quando digo que estou bem, quero dizer que há partes do meu corpo que precisam de monitoramento constante. Foi um ataque colossal”, declarou.

O julgamento contra seu agressor, Hadi Matar, deve começar no ano que vem. Ele pode ser condenado a até 25 anos de prisão por tentativa de assassinato em segundo grau, além de outros sete anos por esfaquear Henry Reese, outro escritor que tentou impedir seu ataque a Rushdie - e provavelmente salvou sua vida ao fazê-lo.

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