Philip Norman esteve no epicentro da Swinging London, o movimento de efervescência cultural que chacoalhou Londres durante a década de 1960. Um período de revolução e modernismo na juventude britânica que trouxe cores à Grã-Bretanha após os anos cinzentos de recuperação da Segunda Guerra Mundial. “É a década que nunca morreu. Havia muita coisa errada no mundo, mas aquele era um momento de oportunidade para os jovens. Eu era um jovem e tive a oportunidade de conhecer a maioria dos grandes nomes da música pop: os Beatles, os Stones, James Brown, Johnny Cash, Marvin Gaye”, conta Norman ao Estadão - à época, ele trabalhava no jornal The Sunday Times, testemunhando de perto o ápice do rock n’ roll, gênero que moldou o som de uma geração eufórica em busca da própria identidade.
Não por acaso, muitos dos heróis daquela era tornaram-se objeto de pesquisa do jornalista nas décadas seguintes. O sucesso do livro Shout! (1981) estabeleceu Norman como um dos principais biógrafos dos Beatles - posição que lhe trouxe prestígio, mas que não o livrou de algumas polêmicas. Ele se arrepende, por exemplo, de ter depreciado as contribuições de Paul McCartney ao grupo quando afirmou que John Lennon representava “3/4 dos Beatles”.
“Eu estava absolutamente errado. Paul me telefonou, do nada, e disse que queria conhecer a pessoa que ‘não gostava dele’. Nós conversamos por meia-hora. Não foi uma conversa de jornalista com o rockstar mais famoso do mundo, mas sim uma conversa normal de homem pra homem”. Anos depois, Paul responderia uma série de perguntas para a produção de Paul McCartney - A Biografia (2017). “Comecei sendo rotulado de ‘anti-Paul’ e acabei fazendo sua biografia autorizada”, diz, em referência ao livro que faz par ao revelador John Lennon - A Vida (2008).
A mais famosa biografia do compositor de Imagine expôs intimidades do cantor com Brian Epstein, empresário dos Beatles. “Não acho que John era bissexual, mas ele disse que teve dois encontros sexuais com Brian: o primeiro para ver como era e o segundo para ter certeza de que não gostava”. Yoko Ono, viúva do músico, chegou a contribuir para a produção do livro, mas depois criticou o trabalho de Norman. “Nunca entendi isso [as críticas de Yoko], acho que ela foi influenciada por alguém. Yoko foi maravilhosa e me contou tudo sobre a relação dela com John. Mais tarde, possivelmente ela se deu conta do valor de todas as informações e tentou fazer uma emboscada com advogados contra mim para tentar retirar as declarações, mas não conseguiu fazer isso”.
Mais polêmicas britânicas
Norman também não escapou de polêmicas quando publicou, em 2012, a biografia de Mick Jagger, que trouxe detalhes sobre o envolvimento do vocalista dos Rolling Stones com forças sombrias. “Jagger foi atraído a isso por causa da cultura hippie, mas ele passou do ponto apenas uma vez, quando participou de um filme do Kenneth Anger. Depois disso, se arrependeu e usou um crucifixo por dois anos”, relata o autor, citando o curta-metragem Invocation of My Demon Brother (1969), com temática satânica.
“Na verdade, a canção Sympathy For The Devil não tem nada a ver com os envolvimentos dele com magia negra. A letra realmente assustadora, que talvez conjure Satã, é a de Gimme Shelter”, explica, antes de ponderar que o cantor britânico nunca foi o “irresponsável selvagem” que muitos imaginam. “Ele sempre foi cauteloso e um ótimo pai para seus oito filhos, de cinco diferentes mulheres”.
Além disso, o escritor conta que não está acostumado a ter seu trabalho avaliado pelos biografados. A única exceção foi Elton John, analisado em Sir Elton: The Definitive Biography (2001) e cuja vida sempre foi regada a excessos, em todos sentidos. “Não falei com Elton quando escrevi esse livro, pois ele passava por um processo de desintoxicação na época. Mas tive acesso ao seu letrista Bernie Taupin, que direcionava as perguntas ao próprio Elton e me trazia respostas. E quando o livro saiu, recebi uma ligação: ‘Oi, é o Elton, estou lendo o livro e achei muito preciso. Quer vir tomar um chá amanhã?’. É claro que eu não disse que estaria ocupado e nos encontramos no dia seguinte. Ele praticamente me ditou um pós-escrito e contou sobre os problemas que estava passando para se livrar dos vícios. Foi estranho ver esse personagem o qual eu sabia tudo a respeito, de repente, ganhar vida”, lembra.
A vez de Hendrix
A intensa trajetória do guitarrista Jimi Hendrix é investigada por Philip Norman em uma nova biografia, Wild Thing: A breve e fantástica vida de Jimi Hendrix, em pré-venda no Brasil pela editora Belas Letras. Trata-se de um perfil complexo não apenas do gênio que criou discos irretocáveis como Are You Experienced (1967) e Eletric Ladyland (1968), mas também do homem cercado de atormentações que buscava, acima de tudo, liberdade. “Eu estava em dúvida sobre fazer esse livro, não sabia se poderia acrescentar algo, mas o que me convenceu foi o puro entusiasmo por sua música. E tentei transmitir esse entusiasmo para o leitor”, explica, salientando a admiração pelo músico cuja morte prematura, aos 27 anos, ampliou sua lenda e o transformou em ícone.
As circunstâncias do trágico episódio ocorrido em 1970 nunca foram completamente explicadas e despertam rumores até os dias atuais. As teorias são diversas: Jimi poderia ter sido assassinado pelo ganancioso empresário Mike Jeffrey, que tinha ligações com a Máfia, ou até mesmo pelo FBI, que estava preocupado com a ascensão dos Panteras Negras, grupo militante pelo qual Hendrix tinha simpatia.
Para Norman, contudo, o astro teria sido vítima de negligência de seus companheiros. “Ele estava rodeado de pessoas que deveriam cuidar dele, mas que não fizeram isso. Ao que parece, ele tomou comprimidos para dormir, prescritos para sua namorada alemã [Monika Dannemann, consumida de culpa, suicidou-se em 1996], mas não percebeu que cada tablete era uma dose dupla. Achou que estava tomando uma dose baixa, mas na verdade era o dobro. Jimi poderia ter sido levado ao hospital e reanimado, mas não havia ninguém por perto para tomar essa iniciativa”.
No livro, é notável a riqueza de detalhes para reconstruir a amarga juventude de Jimi - impactada pela ausência da mãe, os conflitos com o pai e o exército. Já no início da carreira, por mais que o jovem de Seattle exibisse seu talento descomunal, a barreira do racismo era mais forte. “Na América, havia muito preconceito racial, o que colocava até os mais famosos artistas negros em segundo plano. Eles tinham um próprio circuito de clubes segregados chamado Chitlin’ Circuit, em referência aos chitterlings [intestino de porco], que é comida barata. Enquanto Jimi estava na América, ele não conseguiu sair desse gueto”.
O ponto de virada na vida de Hendrix se deu quando ele foi apresentado a Chas Chandler, baixista do grupo The Animals, que o exportou para a Inglaterra e o lançou ao estrelato mundial. “Em Londres, havia muito fascínio pelo blues e Jimi foi imediatamente adorado. Era uma época de heróis da guitarra, como Eric Clapton e George Harrison, e todos se renderam por Hendrix”, relembra o autor, que usa o termo “vandalismo pornográfico” para descrever o caráter incendiário, transgressor e sexual das performances do guitarrista, distinto por explorar uma ampla paleta musical que ia do jazz ao heavy metal, alçando sua obra a uma esfera inalcançável.
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