Tolstoi pode ter influenciado divórcio de Sandy e Lucas Lima? Como? Entenda o caso

Músico e ex-marido de Sandy, Lucas disse que ler ‘A Morte de Ivan Ilitch’ ‘deu uma chacoalhada legal no Lucão’

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Atualização:

A separação de Sandy e Lucas Lima não repercutiu apenas entre os fãs do casal e leitores de notícias de celebridades - o fato circulou até entre tradutores e especialistas em literatura russa. Isso porque o Fofocalizando, programa do SBT, resgatou um post em que Lucas comenta os efeitos da leitura de A Morte de Ivan Ilitch, novela de Liev Tolstoi publicada em 1886. “Que livro forte”, ele escreveu. Na conclusão, disse: “Deu uma chacoalhada legal do Lucão. Recomendo”.

O post foi compartilhado no dia 5 de setembro e tem duas imagens. Na primeira, Lucas, que é um leitor experiente e compartilha dicas de livros em seu perfil (de Elena Ferrante a Octavia Butler), mostra a capa do livro da editora 34, pioneira em traduzir autores russos a partir do original. Na segunda foto, ele sublinha, em amarelo, um trecho da obra. Diz assim: “Talvez eu não tenha vivido como deveria”, ocorreu-lhe de repente. “Mas, como, se eu sempre fiz o que devia fazer?” O texto segue com “respondeu, imediatamente descartando essa hipótese (...)”. Esse trecho, no entanto, não foi destacado pelo músico.

Lucas Lima compartilhou suas impressões do livro de Tolstoi no dia 5 de setembro Foto: Reprodução Instagram/@lucas.lima

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“Russo não tem o menor jeitinho na hora de falar as coisas na lata, né? Texto muito direto, sólido, sem firula nem carinho. Verdade sem desvios. Baita reflexão sobre a vida, sobre escolhas e os porquês destas. Deu uma chacoalhada legal do Lucão. Recomendo”, ele escreveu na legenda, 20 dias antes de o casal anunciar a separação. Sandy e Lucas estavam juntos havia 24 anos juntos - desses, 15 como casados.

Quando escreveu esse livro, coincidentemente, Tolstoi estava casado havia 24 anos. Ele tinha 58 anos e 13 filhos. Na apresentação do volume Novelas Completas (Todavia, 2020), em que este texto também pode ser lido, o tradutor Rubens Figueiredo escreve, na apresentação, que naqueles anos em que Tolstoi trabalhou em A Morte de Ivan Ilitch (1882-1886), “o ambiente conjugal e familiar de Tolstoi já adquirira o caráter conflituoso que, com altos e baixos, iria perdurar até o fim de sua vida, em 1910″. Tolstoi chegou a pensar em sair de casa. Além da crise conjugal, o autor vivia uma crise intelectual, com questões acerca de experiências pessoais e sociais.

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O enredo parece simples: é a história de Ivan Ilitch, um juiz de instrução que, depois de alcançar uma vida confortável, descobre que tem uma grave doença. A partir daí, passa a refletir sobre o sentido de sua existência.

O resultado, porém, é profundo. E pode ser lido nesta chave: “o que estou fazendo com a minha vida?”

Nabokov dizia, inclusive, que essa era uma das obras máximas da literatura russa. O jornalista e tradutor Irineu Franco Perpetuo resgata as falas de Nabokov em seu livro Como Ler os Russos (veja detalhes abaixo). “Meu primeiro ponto é que não se trata da história da morte de Ivan, e sim da vida de Ivan”, escreveu o autor de Lolita. Ele segue: “A fórmula tolstoiana é: Ivan viveu uma vida má, e como a vida má é simplesmente a morte da alma, então Ivan viveu a morte em vida”.

Tolstoi é um dos mais conhecidos escritores russos Foto: Domínio público

São três questões principais na história de Ivan Ilitch, como ressalta Rubens Figueiredo: “a presença da morte como metonímia da morte”, “o sentido de propriedade privada e da acumulação de riqueza na vida cotidiana da classe dominante e da camada média a ela associada, a que pertence o protagonista” e, por fim, “a fraude”. O tradutor explica o último como um “conceito repisado no curso do relato e cuja função consiste em impedir que as pessoas enxerguem a morte e admitam seus efeitos sobre as escolhas cotidianas e sobre a maneira de viver”.

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A Morte de Ivan Ilitch, outras obras e as brincadeiras nas redes

O livro de Tolstoi está em domínio público e é encontrado diferentes edições e traduções. A que Lucas Lima leu foi traduzida por Boris Schnaiderman, um dos grandes responsáveis pelo boom da literatura russa, e do ensino do russo, no Brasil. O livro tem apenas 96 páginas e esta edição foi lançada originalmente em 2006. Irineu Franco Perpetuo traduziu o texto para a Hedra (disponível em audiolivro). A edição da Todavia citada anteriormente inclui ainda as novelas Felicidade Conjugal, Sonata de Kreutzer e Padre Siérgui.

Nas redes sociais, tradutores e leitores de literatura russa brincaram dizendo ‘ainda bem que ele não leu Sonata de Kreutzer’. A sinopse: “uma narrativa de caráter alucinatório sobre a infidelidade no casamento, contada sob a perspectiva de um assassino. Publicado em 1891, o livro investiga o desequilíbrio nas relações entre homens e mulheres e a hipocrisia que reveste o comportamento sexual na sociedade”.

A brincadeira seguiu com as questões conjugais em Tolstoi, quase sempre com desfechos trágicos - iniciando com A Felicidade Conjugal, que ele escreveu antes de ser casado - uma novela contada a partir da perspectiva da mulher que se conforma com o fim do amor pelo marido e com sua transformação em uma espécie de amizade -, até até Sonata Kreutzer, um testemunho violento de sua desilusão com o casamento. Falam também de Anna Kariênina, que tem questões de traição e suicídio. E dos livros de Sofia Tolstoi, mulher do escritor: De Quem é a Culpa? e Canção Sem Palavras, novelas em resposta à Sonata Kreutzer..

Mas voltando à obra que Lucas Lima leu. Além de boas traduções, o leitor encontra nas livrarias uma adaptação para HQ, feita por Caeto e publicada pela Peirópolis. Aurora Bernardini, tradutora e professora da USP, comentou esta edição no Estadão, em 2014, e falou um pouco mais sobre o personagem e a obra.

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Referindo-se ao pai de Ivan, escreveu que ele era um funcionário público acomodado, e reproduziu o seguinte trecho: “Era filho de um funcionário que fizera em Petersburgo, em diferentes ministérios e departamentos, aquele tipo de carreira que leva as pessoas a uma situação da qual elas, por mais evidente que seja a sua incapacidade para qualquer função de efetiva importância, não podem ser expulsas, em virtude dos muitos anos de serviço e dos postos alcançados... tal era Iliá Iefímovitch Golovin, funcionário inútil de diversas repartições desnecessárias”.

Aurora cita ainda “os colegas oportunistas, a mulher rabugenta que, mal enviuvada, passa logo aos ‘assuntos práticos’, a filha preocupada apenas em arranjar um marido e... a própria vida de Ivan Ilitch, cujo vazio ele tenta expiar com a ‘verdade’ dessa evocação à espera da morte, que tarda a chegar“.

E vai além: “movido pelo afeto instintivo do humilde mujique Guerássim, que cuida de Ivan Ilitch, este passa a ver que existem outras verdades: também há aspectos positivos na mulher, nos filhos, nos que lhe são próximos e sente pena deles, sente amor.”

Há, portanto, também um sentimento de união. “Ivan Ilitch sente-se unido aos seus e, finalmente, ‘procura o seu habitual medo da morte e não o encontra... em lugar da morte, havia luz’”, finaliza a professora.

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A seguir, o trecho final da novela (é spoiler, mas se considerar que o desfecho está no título, tudo bem):

“-Terminou!” - disse alguém, acima dele.

Ele ouviu aquelas palavras e as repetiu, no seu íntimo. “A morte terminou”, falou consigo. “Ela não existe mais.”

Puxou o ar para dentro de si, parou no meio da respiração, esticou-se e morreu.”

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Para ler literatura russa

Para quem quer começar a se aventurar pela literatura russa, a dica é ler, antes, o livro do jornalista e tradutor Irineu Franco Perpetuo, Como Ler os Russos, lançado pela Todavia em 2021. Trata-se de um guia imprescindível que faz um panorama cronológico da literatura russa e apresenta autores e obras inseridos no contexto histórico em que eles viveram e elas foram produzidas.

A pedido do Estadão, na época, Irineu sugeriu livros clássicos e contemporâneos e indicou percursos de leitura para leitores iniciados ou iniciantes. A Morte de Ivan Ilitch foi exatamente sua sugestão para quem escolhesse começar por Tolstoi, que com Dostoievski forma a dupla de escritores russos mais conhecidos no Brasil. “Um dos livros mais tocantes que já li”, ele comentou.

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