Woody Allen ainda cativa com neuroses em livro bem-humorado que ecoa temas de sua filmografia

Preterido em novos filmes e vigiado pela opinião pública, autor lança coleção de contos humorísticos. Livro está em pré-venda no Brasil, com lançamento no dia 29 de setembro

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Atualização:

Em Não dá para voltar pra casa – Eis porquê, o primeiro conto do livro Gravidade Zero, Woody Allen logo nos brinda com uma clássica crise neurótica de seu alter ego, um morador de Manhattan que se desespera ao saber que uma equipe de filmagem de Hollywood se interessou em usar sua casa como locação de um filme. E como acontece em todas as grandes mentes criativas, a arte não deixa de ser um reflexo das experiências do artista.

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O que rapidamente induz o leitor a sentir o aspecto paranoico da rotina atual de Allen, um senhor de 87 anos constantemente vigiado pela mídia e perseguido por parte da opinião pública, que julga o valor moral de seu relacionamento com Soon-Yi Previn, filha adotiva da ex-mulher do diretor, Mia Farrow.

Após o caso vir à tona, a atriz de A Rosa Púrpura do Cairo (1985) tentou provar na justiça que Allen teria molestado Dylan, outra filha do casal. Duas investigações independentes, porém, concluíram que não houve abuso.

Fato é que o nome de Woody Allen mais aparece nas manchetes quando é associado a este imbróglio do que a respeito de qualquer novo trabalho do cineasta. É verdade que seus últimos filmes – Festival do Amor (2020), Um Dia de Chuva em Nova York (2019) e Roda Gigante (2017) – também não despertaram muito interesse e pouco acrescentaram à sua filmografia.

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Seu apreço pela literatura, contudo, rendeu frutos mais saborosos, como a excelente autobiografia A Propósito de Nada (2020) e, mais recentemente, Gravidade Zero, disponível para pré-venda no Brasil pela editora Nova Fronteira, com lançamento no dia 29 de setembro.

Capa de 'Gravidade Zero', novo livro de contos de Woody Allen Foto: Nova Fronteira

Cronista das trivialidades, Woody Allen brilha com seu humor leve e perspicaz, sempre recheado de trocadilhos, pitadas de ironia e comentários desvairados. Ao ler o livro, a sensação é de visualizar um curta-metragem em cada um dos 19 contos reunidos na obra – alguns inéditos e outros previamente publicados na revista The New Yorker –, boa parte deles inspirada por anedotas, notícias curiosas ou propagandas que cruzaram as lentes neuróticas e ansiosas do autor nova-iorquino.

Em Delírio úbere, por exemplo, Allen reage a um artigo publicado pelo Centro de Controle de Doenças que relatou que cerca de vinte pessoas são mortas anualmente por vacas nos Estados Unidos. Desta forma, ele evoca o tom pastelão presente em seus primeiros filmes, como Um Assaltante Bem Trapalhão (1969) e Tudo o Que Você sempre Quis Saber sobre Sexo (1971).

Neste conto hilário, uma vaca revela, em primeira pessoa, suas intenções de assassinar um desprezível diretor de cinema. “Nem um melancólico gênio cult, nem um ídolo da sessão da tarde, mas, sim, uma amebinha míope usando óculos com armação preta e ridiculamente vestido segundo a sua ideia de rural chic: tweed e lã da cabeça aos pés, boné e cachecol, pronto para encontrar duendes”. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

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Woody Allen em 2017; diretor e escritor lança livro de contos que mistura melancolia e humor  

Há também referências pontuais a figuras da vida real. As proezas sexuais do ator Warren Beatty, que teria dormido com mais de duas mil mulheres, inspiram Que o avatar verdadeiro se identifique, por favor. Já o golpista Bernie Madoff, responsável pela maior fraude financeira história, dá as caras em Escaldados em Manhattan, onde o pessimismo kafkiano do universo de Allen é subvertido no fim do conto.

E até mesmo a estrela pop Miley Cyrus, dirigida pelo autor na errática minissérie Crises em Seis Cenas (2016), protagoniza Proibido animais, uma sátira erótica e provocativa baseada na declaração da cantora sobre estar “literalmente aberta a toda e qualquer coisa que seja consensual e não envolva um animal”.

Relacionamentos complexos

Mas é no conto derradeiro (e mais extenso) que Allen constrói os parágrafos mais encantadores de Gravidade Zero. Crescer em Manhattan, claramente autobiográfico, ecoa elementos recorrentes de clássicos do diretor, como Annie Hall (1977), Manhattan (1979) e Hannah e Suas Irmãs (1986), conectando rapidamente o leitor aos dramas do protagonista Jerry Sachs, um escritor apaixonado pela sétima arte.

A comédia romântica, que poderia ter sido o esboço de um novo filme, explora o tema favorito do autor: a complexidade dos relacionamentos. A ideia central é a de que o amor pode dar certo, mas os motivos estão além de nossa compreensão. E por mais que se insista, algumas histórias de amor simplesmente não vão funcionar.

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Aqui, ele nos prova que é impossível compreender totalmente seu parceiro amoroso e que também é improvável conseguir mudar sua própria personalidade para agradá-lo.

Basicamente, é por causa de narrativas deste nível, onde a melancolia e o humor se entrelaçam de forma brilhante, que buscamos amparo na obra de Woody Allen quando a vida parece estar, de fato, “dividida entre o horrível e o miserável”.

Adeus às telonas?

Vencedor de quatro Oscars, Woody Allen prepara o lançamento de seu quinquagésimo filme, Coup de Chance (Golpe de Sorte, em tradução livre), gravado em Paris e sem nenhuma estrela no elenco. A relação estremecida com Hollywood intensificou ainda mais sua conexão com a Europa, onde os custos de produção são mais baratos.

A tendência é que o longa seja o último da prolífera carreira do cineasta. “A minha ideia, em princípio, é deixar de fazer filmes e concentrar-me na escrita”, contou, em entrevista ao diário espanhol La Vanguardia, no ano passado. Antes disso, Allen já havia mencionado, em conversa com o ator Alec Baldwin, que perdeu “grande parte da emoção” de fazer filmes.

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