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Coluna quinzenal da jornalista Luciana Garbin que traz foco para as questões femininas na sociedade atual

Opinião | Abandono digital: podem os pais ser responsabilizados por não controlar uso de telas pelos filhos?

Desatenção parental em relação a um mundo virtual cheio de possibilidades, mas também repleto de riscos pode trazer até implicações jurídicas

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Atualização:

Com a explosão do uso de telas e da internet por crianças e adolescentes, uma discussão ganha força no mundo jurídico: podem os pais ser responsabilizados por crimes cometidos contra os filhos - e pelos filhos - no ambiente digital? Ou, numa linguagem mais atual, por terem praticado, ainda que sem querer, o abandono digital?

Uso de telas por crianças e adolescentes se multiplicou nos últimos anos Foto: Roman/stock.adobe.com

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O termo, que tem aparecido com mais frequência em artigos, caracteriza-se pela desatenção dos pais quanto à segurança dos filhos num mundo virtual cheio de possibilidades de aprendizagem e entretenimento, mas também repleto de riscos. E pode trazer até implicações jurídicas caso se comprove que mães e/ou pais foram negligentes em educar os filhos para o mundo virtual e monitorar seu acesso e uso de plataformas de forma a protegê-los.

“Você deixaria seu filho sozinho o dia todo sentado na calçada sem saber com quem ele poderia estar falando? Mas por que será que hoje há tantos jovens assim, abandonados na calçada digital da internet?”, pergunta a advogada especialista em cultura digital Patrícia Peck Pinheiro em artigo publicado ainda em 2014. “A internet é a rua da sociedade atual.”

De lá para cá, o acesso a smartphones, tablets e computadores por crianças só aumentou. E não são poucos os pais que ignoram ou minimizam seus riscos. Quem não quer a sensação de que o filho está seguro em casa, mesmo que navegando pela web distante de qualquer acompanhamento ou software de controle parental?

Para Patrícia, essas crianças e adolescentes entregues à própria sorte com equipamentos eletrônicos são os novos “menores abandonados digitais”.

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“Nos últimos anos vem crescendo a preocupação no Brasil e em outros países com relação ao uso das novas mídias digitais por crianças e adolescentes”, explica a especialista. “Tanto do ponto de vista legislativo como do ponto de vista judicial, há uma abordagem de se entender que a utilização dos novos recursos tecnológicos, principalmente quando envolve criança, precisa ser feita com supervisão do responsável legal para não configurar abandono digital. Se não é supervisionado e cuidado, é o abandonado.”

Outros autores usam termos diferentes com significados parecidos.

“O uso crescente da tecnologia fez aumentar o número de órfãos digitais”, escrevem as especialistas Patrícia Klunk e Maria Regina Fay de Azambuja no artigo O abandono digital de crianças e adolescentes e suas implicações jurídicas. São, segundo elas, filhos abandonados pelos pais no ambiente virtual, expostos a perigos como cyberbullying, grooming (aliciamento por adulto pela internet), sexting (envio de fotos, vídeos e mensagens de cunho sexual), pedofilia, exploração, abuso sexual e jogos desafiadores com risco de morte. Sem esquecer das consequências relacionadas ao uso excessivo de telas, como vício tecnológico e perda do convívio familiar.

“Não falta para a criança ou o adolescente nessa condição assistência material ou intelectual, muito pelo contrário”, alertam as autoras. “Eles têm equipamentos de última geração, ambientes extremamente confortáveis para passar horas conectados. O abandono aqui caracteriza-se pelo descuido dos pais para com os filhos no ambiente virtual, não sabendo o que fazem ou com quem interagem na rede”, continuam. “Há um descaso no monitoramento do conteúdo, falta de orientação adequada para usufruir com segurança o recurso digital, desatenção quanto ao uso excessivo, sendo deixados sozinhos por longos períodos. Há também uma clara substituição do convívio familiar por uma vida virtual.”

Nesse cenário, além de vítimas, filhos menores de idade podem também se tornar autores de crimes. Há algumas semanas, alunos do tradicional Colégio Santo Agostinho, do Rio, por exemplo, foram acusados de usar inteligência artificial para criar falsos nudes de colegas. Quando os pais das estudantes souberam do caso, procuraram a política e as investigações começaram.

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Casos envolvendo crimes virtuais, porém, não são novidade na Justiça. No Rio Grande do Sul, uma mãe foi condenada a pagar indenização de R$ 5 mil por danos morais por ter emprestado seu computador com internet ao filho e não monitorar o que ele aprontava na web. O adolescente praticava cyberbulylling contra um colega de classe, postando mensagens ofensivas e montagens fotográficas com chifres e corpo de mulher. O Tribunal de Justiça manteve a condenação de primeira instância sob o argumento de que “aos pais incumbe o dever de guarda, orientação e zelo pelos filhos menores de idade, respondendo civilmente pelos ilícitos praticados, uma vez ser inerente ao pátrio poder, conforme artigo 932 do Código Civil”. Não adiantou a mãe ter argumentado que não tinha conhecimento do que o filho fazia na internet. O abandono digital, neste caso, terminou em condenação.

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Mais recentemente, o abandono digital foi um dos argumentos usados pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais para negar um recurso. Um adolescente de 16 anos mentiu a idade para se cadastrar num site de compras que vetava menores. Pôs um computador para vender e acabou vítima de fraude. Criminosos forjaram um e-mail de compra e o jovem enviou o produto. Ao descobrir que havia caído num golpe, entrou com um pedido de indenização por danos morais e materiais contra o site. Magistrados da 11ª Câmara Civil entenderam, porém, que a plataforma não teve culpa e destacaram que “o dever dos pais e responsáveis ganha especial relevância sobre o controle das crianças e dos adolescentes no ambiente virtual, porquanto a internet, de fato, os expõe a situações de risco e vulnerabilidade”.

“Por mais que incumba à plataforma apelada evitar e policiar o cadastro de menores e incapazes, é certo que, no caso específico dos autos, as provas produzidas autorizam o reconhecimento da culpa exclusiva da vítima, alicerçada na omissão de seus pais, pois, caso tivesse recebido a assistência de seus representantes, o autor certamente teria confirmado o pagamento do preço e ainda teria subsídios para identificar a precariedade do e-mail enviado pelo(s) estelionatário(s), que é mal redigido, genérico e com nítidos erros gramaticais.”

Opinião por Luciana Garbin

Editora executiva no ‘Estadão’, professora na FAAP e mãe de gêmeos

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