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Coluna quinzenal da jornalista Luciana Garbin que traz foco para as questões femininas na sociedade atual

Opinião | Chats que vetam presença de mulheres se multiplicam na internet: é a praga dos ‘chans’

Fóruns misóginos anônimos crescem sem controle na deep web e em redes abertas, são palco de crimes e incentivam ataques também fora do mundo virtual, mostra pesquisa

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Foto do author Luciana Garbin
Atualização:

Uma rede perigosa, misógina e com cada vez mais ramificações cresce absolutamente sem controle na internet. São os chamados chans, abreviação de channels (canais em inglês), chats anônimos encontrados principalmente na deep web que têm no veto à presença de mulheres uma de suas principais regras. Neles, frequentadores com problemas socioafetivos e sentimentos de fracasso e rejeição chamam mulheres de “depósito” (de esperma) e cometem um crime atrás do outro. Sem punição.

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Os participantes são em sua maioria jovens com idade entre 20 e 24 anos, embora haja também trintões e quarentões. Em comum, ostentam um vocabulário cheio de termos e pensamentos misóginos, além de falas racistas e incitação ao ódio, à violência e à pornografia.

Entre junho de 2021 e junho de 2023, pesquisadores da consultoria Timelens, contratada pelo Instituto Avon, rastrearam 9,5 milhões de mensagens em 10 chans e 47 grupos de aplicativos de mensagens e chegaram a constatações alarmantes. Misoginia e Violência contra mulheres na internet: um levantamento sobre fóruns anônimos mostra que, enquanto em 2021 o movimento nesses chans era de aproximadamente 19 posts por semana, em 2023 passou para 228 - por hora! E apenas 0,3% dos posts analisados tinha como origem chans que permitem presença de usuárias.

Nos chans, meninas e mulheres são tratadas por termos pejorativos Foto: ADOBE STOCK

A organização dos chans se dá por meio de boards - abas ou painéis temáticos destinados à discussão de temas específicos. Segundo a pesquisa, nos boards de pornografia, 69% dos fios de discussão citavam alguma ilegalidade, incentivando por exemplo vazamentos de nudes ou conteúdos que flertam com pornografia infantil ou zoofilia. E 36% dos grupos de mensagens traziam a temática “vazamento” no título, seguido de “novinhas”, com 11%. Meninas menores de idade também são chamadas por lá de “jail bait” - isca de cadeia em inglês.

Boards ou fios dedicados a mulheres reúnem grande quantidade de menções a diferentes formas de violência, desde vazamento de nudes até ataques organizados, com exposições de intimidade e perseguição moral”, aponta o levantamento, destacando que os debates sobre mulheres são sempre marcados por raiva, ressentimento e objetificação. “Mulheres aparecem como fonte de profundo desconforto, desde a possibilidade de interação até a realização de objetivos afetivos (relacionamentos) e sexuais. Quando as mulheres não correspondem às expectativas dos frequentadores, são articulados ataques coordenados. As principais vítimas são influenciadoras, celebridades e pessoas com muita exposição em redes sociais. Algumas chegam a receber ameaças de morte.”

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O mais assustador é que essa chamada “cultura dos chans” tem aparecido também em plataformas fora da deep web, como Twitter e YouTube. Assim como seus termos pejorativos, como Bostil (para se referir a Brasil), churrascar (morrer) e raid (expor intimidades). Entre junho e julho de 2023, a pesquisa apontou um aumento de quase três vezes no uso desses termos em redes abertas.

Diretora executiva do Instituto Avon, Daniela Grelin conta que parte dos comportamentos identificados nesses fóruns, como divulgação não autorizada de imagens e stalking, acaba transbordando as barreiras do mundo virtual e afetando a vida de milhares de mulheres e meninas. Esses prejuízos afetivos e emocionais muitas vezes resultam em abandono de emprego, evasão escolar e saída das redes sociais, ocasionando até tentativas de suicídio. “Muitas das condutas percebidas dentro dos chans já são consideradas crimes e é importante trazer visibilidade para esse assunto e mostrar que a violência contra mulheres e meninas vai muito além da violência física e do hematoma.”

Para ela, o ideal seria se criar uma regulamentação, não para censurar, mas para tornar a internet um espaço onde criminosos possam ser responsabilizados. “Queremos lançar luz sobre o tema e fomentar o debate sobre violência contra mulheres e meninas”, afirma Daniela. “É preciso que as autoridades e a sociedade passem a reconhecer, regulamentar, fiscalizar e punir os autores desses comportamentos para que a misoginia não seja normalizada.”

Opinião por Luciana Garbin

Editora executiva no ‘Estadão’, professora na FAAP e mãe de gêmeos

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