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Coluna quinzenal da jornalista Luciana Garbin que traz foco para as questões femininas na sociedade atual

Opinião|ChatGPT ignora Santos-Dumont como inventor do avião

Gerador de texto da Open AI aponta primazia dos irmãos Wright e levanta questão sobre viés da inteligência artificial

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Foto do author Luciana Garbin
Atualização:

Além de ter de lidar com o desconhecimento de parte dos brasileiros, a memória de Alberto Santos-Dumont ainda corre o risco de ser apagada pela inteligência artificial nos 150 anos de seu nascimento, que serão comemorados na próxima quinta-feira, 20 de julho.

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À pergunta “Quem inventou o avião?”, o ChatGPT responde em poucos segundos:

“O avião foi inventado pelos irmãos Wright, Orville e Wilbur Wright. Eles são creditados com a invenção e construção do primeiro avião controlável, e realizaram seu primeiro voo em 17 de dezembro de 1903, em Kitty Hawk, Carolina do Norte, EUA. O avião, chamado de Wright Flyer, era uma aeronave de asa fixa movida por um motor a gasolina. Embora houvesse outros inventores trabalhando em aeronaves na mesma época, os irmãos Wright são geralmente reconhecidos como os pioneiros da aviação moderna devido ao controle bem-sucedido e ao voo sustentado de seu avião”.

Segunda pergunta: “E Santos Dumont?”

Resposta: “Alberto Santos-Dumont é uma figura muito importante na história da aviação e é frequentemente celebrado, especialmente no Brasil, como o “Pai da Aviação”. Santos-Dumont era um aviador brasileiro que também fez contribuições significativas para o desenvolvimento de aeronaves no início do século XX. Ele é mais conhecido por seu voo em 23 de outubro de 1906, em Paris, com o 14-bis, um avião de sua própria concepção. Este voo foi o primeiro a ser certificado por um órgão oficial, a Federação Aeronáutica Internacional, e é considerado por muitos como o primeiro voo bem-sucedido de um avião. A principal diferença entre o voo dos irmãos Wright em 1903 e o de Santos-Dumont em 1906 é que os irmãos Wright usaram uma catapulta para ajudar a lançar seu avião, enquanto o 14-bis de Santos-Dumont decolou usando apenas seu próprio poder e foi feito diante de uma grande audiência e representantes de uma organização aeronáutica. No Brasil, Santos-Dumont é considerado o inventor do avião, enquanto nos Estados Unidos e em muitos outros lugares os irmãos Wright recebem esse crédito. Ambos fizeram contribuições monumentais para o campo da aviação e ajudaram a lançar a era da aviação moderna”.

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Terceira pergunta: ”Se os irmãos Wright usaram catapulta e Santos Dumont não, por que quem inventou o avião foram os Wrights e não Santos Dumont?”

ChatGPT: Há um debate sobre quem deve ser creditado pela invenção do avião, e as opiniões sobre o assunto podem variar dependendo da perspectiva cultural e das definições de “voo bem-sucedido” e “avião”. Os irmãos Wright são creditados por muitos como os inventores do avião porque eles realizaram um voo controlado e sustentado com uma aeronave mais pesada do que o ar em 1903, três anos antes do voo de Santos-Dumont. Eles usaram uma catapulta para ajudar a lançar seu avião, mas argumentam que isso foi apenas para ajudar a aeronave a alcançar a velocidade necessária para a decolagem e que o voo em si foi realizado por meio do controle e potência da aeronave.

Por outro lado, Santos-Dumont realizou seu voo em 1906 sem o auxílio de dispositivos externos, como uma catapulta. Seu 14-bis decolou usando apenas seu próprio poder e foi realizado diante de uma grande audiência e representantes de uma organização aeronáutica oficial. Isso levou muitos a considerar o voo de Santos-Dumont como o primeiro voo verdadeiramente autônomo e bem-sucedido de uma aeronave mais pesada que o ar.

Portanto, o crédito pela invenção do avião pode ser uma questão de interpretação e perspectiva. Nos Estados Unidos e em algumas outras partes do mundo, os irmãos Wright são geralmente reconhecidos como os inventores do avião. No entanto, no Brasil e em algumas outras regiões, Santos-Dumont é frequentemente creditado como o verdadeiro pioneiro da aviação.

É importante reconhecer as contribuições significativas que ambos, os irmãos Wright e Santos-Dumont, fizeram para o desenvolvimento da aviação, independentemente de quem é creditado como o inventor do avião. Eles desempenharam papéis fundamentais na evolução da tecnologia da aviação e abriram caminho para a era moderna da aviação.”

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Santos-Dumont em seu 14 bis Foto: Horst Merkel/Itaú Cultural

O professor de Engenharia e Design da FAAP Marcelo Succi lembra que o ChatGPT é alimentado com textos da internet e há muito mais textos em inglês dizendo que os irmãos Wright inventaram o avião do que textos em inglês - e em outras línguas além do português - creditando o feito a Santos-Dumont. “Assim, quando você pergunta “na lata” quem inventou o avião, a resposta mais “correta” em termos probabilísticos - porque aparece em mais textos - é irmãos Wright”, explica. “Já quando você introduz Santos-Dumont na conversa, o ChatGPT tenta encontrar uma resposta que encaixe de maneira mais adequada o nome do brasileiro no texto que vai gerar, considerando o texto passado da conversa e o treinamento da inteligência artificial.”

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Segundo Marcelo, esse exemplo reflete a famosa questão do viés na inteligência artificial, que no final vai reproduzir o que mais aprendeu, e não necessariamente a verdade. “Como ‘quem inventou o avião’ não é uma questão politicamente complicada (do ponto de vista dos criadores do ChatGPT), não recebeu atenção no ‘pós treinamento’. Se fosse uma questão ‘complicada’, teria um pós treinamento que tiraria o viés e daria uma resposta equilibrada.”

O editor do Link do Estadão, Bruno Romani, que me alertou sobre o tema, lembra que a discussão sobre a dominação cultural pelos bancos de dados vem crescendo. Assim como a da ausência de adaptação e consideração de contextos locais. “Pelo fato de a maior parte da internet ser em inglês, os bancos de dados vão refletir uma certa visão de mundo. Não apenas isso: as grandes empresas de inteligência artificial são americanas, o que torna extremamente difícil fugir do viés. A longo prazo, o conhecimento difundido por essas ferramentas de IA vai entregar uma versão da história que ignora outras culturas e outros contextos. Uma das soluções seria retreinar os sistemas, mas é um desafio enorme, pois não há volume de dados suficiente para isso.”

Demoiselle é considerado a obra-prima de Santos-Dumont Foto: Iara Venanzi/reprodução

No mundo real, a discussão envolvendo os irmãos Wright e Santos-Dumont é antiga. Mas especialistas dizem que, enquanto o 14 bis do brasileiro decolou sem auxílio externo (trilhos, ventos e/ou catapulta) em Paris em 1906, diante de centenas de pessoas e de uma comissão do Aeroclube da França previamente convocada para atestar a legitimidade do voo, os americanos dizem ter voado em 1903 sem testemunhas credenciadas e com auxílio externo. Preocupados em serem copiados antes de ganharem dinheiro com sua máquina, chamada de Flyer, eles se recusavam a mostrá-la à imprensa, ao contrário de Santos-Dumont, que sempre teve os inventos divulgados. Portanto, dentro dos critérios da época (decolar por meios próprios, sem ajuda externa, em voo agendado com antecedência, diante de comissão idônea), o inventor brasileiro voou primeiro. Em 23 de outubro de 1906, percorreu 60 metros com o 14 bis e, em 12 de novembro do mesmo ano, voaria com ele outros 220 metros. A então recém-criada Federação Aeronáutica Internacional reconheceu o primeiro recorde de aviação. Dela participaram representantes de vários países, incluindo os Estados Unidos dos irmãos Wright.

No livro O que eu vi, o que nós veremos (1918), Santos-Dumont escreveu: “Eu não quero tirar em nada o mérito dos irmãos Wright, por quem tenho a maior admiração, mas é inegável que só depois de nós se apresentaram eles com um aparelho superior aos nossos, dizendo que era cópia de um que tinham construído antes dos nossos (...) O que diriam Edison, Graham Bell ou Marconi se, depois que apresentaram em público a lâmpada elétrica, o telefone e o telégrafo sem fios, um outro inventor se apresentasse com uma melhor lâmpada elétrica, telefone ou aparelho de telefonia sem fios dizendo que os tinha construído antes deles?!”.

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Mercelo Succi levou a pergunta de Santos-Dumont ao próprio ChatGPT e pediu uma resposta breve em primeira pessoa. A conclusão está a seguir:

“Como Thomas Edison, diria: ‘Estou satisfeito que alguém tenha levado a ideia adiante. A inovação é a chave para o progresso’.

Como Alexander Graham Bell, diria: ‘Se o seu aparelho é de fato superior, meus parabéns. Nossa meta deve ser sempre aprimorar a comunicação para a humanidade’.

Como Guglielmo Marconi, diria: ‘Que bom que você conseguiu, este é o objetivo da ciência, sempre progredir. Nossas contribuições são meras etapas em uma escada infinita de descobertas’.

Como ChatGPT, diria: ‘A inovação é um processo contínuo e colaborativo. Se a sua invenção é uma melhoria, então é um sucesso para todos nós. Afinal, o objetivo da tecnologia é servir à humanidade de forma cada vez mais eficaz’.

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Opinião por Luciana Garbin

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