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Coluna quinzenal da jornalista Luciana Garbin que traz foco para as questões femininas na sociedade atual

Opinião|Cruzar mar mais perigoso do mundo me fez encarar problemas de outro jeito

Para voltar da Antártida à América do Sul, foram 36 horas navegando no Estreito de Drake entre altas ondas, fortes ventos e sensação de estar num mix de batedeira e montanha-russa

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Foto do author Luciana Garbin
Atualização:

Há três anos fiz a viagem mais desafiadora da minha vida: visitei a Antártida, o continente mais gelado e inóspito do planeta. E não há quem tenha vivido essa experiência que não conheça um nome: Drake.

Pode soar familiar a entusiastas da história do navegador e corsário inglês Francis Drake, mas saibam que no século 16 até ele evitou passar pelo mar ao qual hoje dá seu nome, entre o sul da América do Sul e a Antártida.

Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel cruza Estreito de Drake em 2019.  Foto: Luciana Garbin

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O Estreito – ou Passagem – de Drake tem cerca de mil quilômetros e oferece a quem se dispõe a cruzá-lo uma das regiões com piores condições meteorológicas da Terra. Não à toa é chamado de “o mar mais perigoso do mundo”.

Terror dos primeiros exploradores, o Drake e suas tormentas deram origem a um ditado marinheiro: “Abaixo dos 40˚ de latitude sul não existe lei; abaixo dos 50˚ não existe Deus”. A estação antártica brasileira, que visitei em 2019, está um pouco abaixo dos 62˚.

E por que resolvi falar disso agora?

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Porque o Drake me fez passar a ver os desafios da vida sob outra perspectiva.

A ideia de cruzá-lo foi o que mais atiçou minha ansiedade nos preparativos da viagem. Com pouquíssimas aventuras no currículo, não tinha a mínima ideia de como meu corpo reagiria a 36 horas num navio balançando sem parar, entre altas ondas, mar agitado, fortes chuvas e ventos. Passei então a devorar tudo o que havia de informação.

Aprendi com pesquisadores que um dos truques para não marear (passar mal) é ter sempre algo no estômago. Outra dica é comer maçãs. Uma médica da Marinha receitou um remédio contra vertigem e enjoo à base de cinarizina. Mas o fundamental, diziam, também era me preparar psicologicamente para o pior que poderia acontecer: vomitar quase dois dias sem parar. Não parecia nada atrativo, mas era isso ou não ter como voltar para casa. Decidi encarar.

Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel, uma das duas embarcações da Marinha Brasileira que viajam para a Antártida Foto: Clayton Souza

No final, minha experiência no temido Drake resumiu-se a um primeiro dia de chacoalhos mais suportáveis no Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel e, na parte final, ao menos 12 horas enfrentando ondas de até seis metros de altura e rajadas de vento de 90 km/h. O suficiente para ter a sensação de que estava num mix de batedeira e montanha-russa. Foram vários frios na barriga, mas com ajuda de maçãs, uma sopa de mandioca, comprimidos de cinarizina e a certeza de que de um jeito ou outro chegaria a meu destino, consegui aguentar o dia e meio no mar mais perigoso do mundo. E formulei a receitinha que tenho usado desde então contra perrengues da vida: informação com fontes de qualidade, disciplina física, preparo psicológico e foco no objetivo. Agora, quando surgem problemas maiores, logo penso: ‘Eita, lá vem um novo Drake. O que preciso para cruzá-lo mais uma vez?’.

Opinião por Luciana Garbin

Editora executiva no ‘Estadão’, professora na FAAP e mãe de gêmeos

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