Há três anos fiz a viagem mais desafiadora da minha vida: visitei a Antártida, o continente mais gelado e inóspito do planeta. E não há quem tenha vivido essa experiência que não conheça um nome: Drake.
Pode soar familiar a entusiastas da história do navegador e corsário inglês Francis Drake, mas saibam que no século 16 até ele evitou passar pelo mar ao qual hoje dá seu nome, entre o sul da América do Sul e a Antártida.
O Estreito – ou Passagem – de Drake tem cerca de mil quilômetros e oferece a quem se dispõe a cruzá-lo uma das regiões com piores condições meteorológicas da Terra. Não à toa é chamado de “o mar mais perigoso do mundo”.
Terror dos primeiros exploradores, o Drake e suas tormentas deram origem a um ditado marinheiro: “Abaixo dos 40˚ de latitude sul não existe lei; abaixo dos 50˚ não existe Deus”. A estação antártica brasileira, que visitei em 2019, está um pouco abaixo dos 62˚.
E por que resolvi falar disso agora?
Porque o Drake me fez passar a ver os desafios da vida sob outra perspectiva.
Aventura antártica
A ideia de cruzá-lo foi o que mais atiçou minha ansiedade nos preparativos da viagem. Com pouquíssimas aventuras no currículo, não tinha a mínima ideia de como meu corpo reagiria a 36 horas num navio balançando sem parar, entre altas ondas, mar agitado, fortes chuvas e ventos. Passei então a devorar tudo o que havia de informação.
Aprendi com pesquisadores que um dos truques para não marear (passar mal) é ter sempre algo no estômago. Outra dica é comer maçãs. Uma médica da Marinha receitou um remédio contra vertigem e enjoo à base de cinarizina. Mas o fundamental, diziam, também era me preparar psicologicamente para o pior que poderia acontecer: vomitar quase dois dias sem parar. Não parecia nada atrativo, mas era isso ou não ter como voltar para casa. Decidi encarar.
No final, minha experiência no temido Drake resumiu-se a um primeiro dia de chacoalhos mais suportáveis no Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel e, na parte final, ao menos 12 horas enfrentando ondas de até seis metros de altura e rajadas de vento de 90 km/h. O suficiente para ter a sensação de que estava num mix de batedeira e montanha-russa. Foram vários frios na barriga, mas com ajuda de maçãs, uma sopa de mandioca, comprimidos de cinarizina e a certeza de que de um jeito ou outro chegaria a meu destino, consegui aguentar o dia e meio no mar mais perigoso do mundo. E formulei a receitinha que tenho usado desde então contra perrengues da vida: informação com fontes de qualidade, disciplina física, preparo psicológico e foco no objetivo. Agora, quando surgem problemas maiores, logo penso: ‘Eita, lá vem um novo Drake. O que preciso para cruzá-lo mais uma vez?’.
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