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Coluna quinzenal da jornalista Luciana Garbin que traz foco para as questões femininas na sociedade atual

Opinião | Barão de Coubertin não queria mulher na Olimpíada. Alice Milliat mudou isso. Vale a pena conhecê-la

Nos primeiros Jogos Olímpicos com oferta paritária de vagas entre os gêneros, importância de pioneira francesa para inclusão feminina é resgatada com livros, documentário, exposição e nomes de vias na França

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Atualização:

Foi por pouco. Anunciada como a primeira Olimpíada com igualdade de gêneros, Paris-2024 ainda deve ter mais atletas homens por causa de alguns esportes com mais concorrentes do sexo masculino. Mas a inédita oferta paritária de vagas é um bom momento para resgatar a importância de uma francesa que passou décadas esquecida: Alice Milliat.

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Nascida em 1884 em Nantes, ela gostava de nadar, remar e jogar hóquei num tempo em que não se via muita mulher praticando esportes. E logo se tornou uma ativista pela maior participação feminina nas competições. De quebra, virou também uma das pessoas que mais bateram de frente com Pierre de Frédy, o famoso Barão de Coubertin.

Incensado como o fundador dos Jogos Olímpicos da era moderna, ele foi um dos maiores opositores à presença de mulheres em disputas olímpicas. Algumas de suas frases ficaram famosas. Como a de que no esporte bastava “o aplauso feminino como recompensa”. “Nada prático, nada interessante, nada estético e, não tememos acrescentar, incorreto: é como seria a partir do nosso ponto de vista essa Olimpíada feminina”. Ou ainda: “As mulheres serão sempre imitações imperfeitas. Nada se aprende vendo-as agir. Assim, os que se reúnem para vê-las obedecem a preocupações de outras espécies. Talvez as mulheres compreenderão logo que essa tentativa não será proveitosa nem para seu encanto nem para sua saúde”.

A pioneira francesa Alice Milliat no remo, um dos esportes que gostava de praticar Foto: Fondation Alice Milliat

Alice tinha apenas 12 anos quando os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna aconteceram em Atenas sem nenhuma mulher nas disputas. Na segunda edição, em 1900, 22 mulheres puderam participar, mas em pouquíssimas modalidades individuais, como golfe e tênis. Nos jogos seguintes, houve liberações pontuais, mas Coubertin continuava se opondo ao crescimento da presença feminina. Em julho de 1912, ele perguntava na revista Revue Olympique: “É possível que haja em um futuro próximo corredoras e até mesmo mulheres que joguem futebol? A prática destes esportes por mulheres seria um espetáculo recomendável ante a multidão que uma Olimpíada reúne? Não pensamos assim.”

As bobagens machistas do barão presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI) logo começaram a suscitar reação. Em meio ao cardápio de esportes vetados para mulheres nas Olimpíadas estava o atletismo, justamente um dos focos da batalha de Alice Milliat. E foi com modalidades dele que ela resolveu criar nada menos que uma miniolimpíada paralela para mulheres.

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“Declaro abertos os primeiros Jogos Olímpicos Femininos”, discursou, em agosto de 1922, ao abrir a competição no estádio francês de Pershing como presidente da Fédération Sportive Féminine International (Federação Internacional de Esportes Femininos), criada em outubro do ano anterior. O evento reuniu 77 atletas mulheres de cinco nações - França, Inglaterra, Suíça, Checoslováquia e Estados Unidos - e teve 20 mil espectadores, 18 recordes mundiais e reclamação do COI pela inclusão do termo “Olímpicos” no nome.

Dois anos depois, os Jogos de Paris 1924 reuniram 135 mulheres - do total de 3.089 atletas —, mas elas continuavam fora da maioria das modalidades, incluindo atletismo. Alice manteve a batalha e realizou os Jogos Femininos outras três vezes, sob o nome Jogos Mundiais, em Gotemburgo (1926), Praga (1930) e Londres (1934). Ela também negociou um acordo com o COI: deixaria de usar “Olímpicos” se as Olimpíadas permitissem às mulheres competir no atletismo. Em 1928, as Olimpíadas de Verão em Amsterdã tiveram atletismo feminino pela primeira vez em cinco provas - e Alice como a única jurada entre vários homens.

Participação feminina nas provas de atletismo no início do século passado foi uma das batalhas de Alice Milliat Foto: Acervo Estadao

Agora, quase um século depois desse feito, a francesa finalmente está tendo seu pioneirismo reconhecido. Reportagem do jornal americano The New York Times publicada há alguns dias destaca que biografias dela estão sendo lançadas na França e um novo documentário, Les Incorrectes, tem sido exibido nos cinemas e na televisão. Em Nice, o Le Musee National du Sport (Museu Nacional de Esportes da França) abriga até 22 de setembro a exposição temporária Les Elles Des Jeux, destacando a atuação de Alice e de outras pioneiras. Uma praça do lado de fora de uma arena olímpica também ganhou o nome dela.

Alice faleceu em 1957 em Paris, de forma bastante anônima. A mesma reportagem do New York Times afirma que, ao morrer, nem seus vizinhos sabiam de sua importância nos esportes. “Mas os historiadores continuam a escavar suas contribuições. A Alice Milliat Foundation, dedicada aos esportes femininos, foi fundada na França em 2016. Academias e ruas foram nomeadas em sua homenagem nos últimos anos.”

Nas delegações olímpicas de alguns países, incluindo o Brasil, a presença feminina já é até maior do que a masculina. O País terá competindo em Paris 153 atletas mulheres e 124 homens. Um bom momento, portanto, para também aqui conhecermos e ressaltarmos a importância histórica de Alice Milliat.

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“As mulheres estiveram ausentes nos primeiros Jogos da era moderna em 1896, em Atenas, e foram reduzidas, na melhor das hipóteses, a algumas atividades de lazer no segundo. Dizer que para as mulheres o caminho foi longo para conquistarem seu lugar na arena olímpica é um eufemismo...”

Post do Musee National du Sports, da França, publicado no Instagram

Opinião por Luciana Garbin

Editora executiva no ‘Estadão’, professora na FAAP e mãe de gêmeos

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