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Coluna quinzenal da jornalista Luciana Garbin que traz foco para as questões femininas na sociedade atual

Opinião|Haja saúde pra tanta nostalgia: O que a ciência diz sobre nosso apego às coisas do passado

Antes vista como doença, emoção atiçada por objetos, músicas, fotos, vídeos, cheiros, pessoas e sabores envolve diferentes áreas cerebrais e costuma despertar sensações positivas. Mas ficar remoendo versão romantizada do que já foi pode ser também uma roubada

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Foto do author Luciana Garbin

A cantora americana Taylor Swift vendeu 23 mil cópias de seu último trabalho em formato de fita cassete. Consumidores da geração Z trocam smartwatches por relógios analógicos e gastam o salário em brinquedos antigos. Na moda, grifes internacionais enchem as passarelas de looks inspirados em outros tempos. Na literatura, editores recorrem à tipografia artesanal para publicar livros. E o que dizer dos milhões de perfis nas redes sociais que exploram à exaustão como era a vida nos anos 70, 80 e 90?

Antes encarada como doença ou transtorno, nostalgia mudou de status e passou a ser vista como emoção predominantemente positiva. Na imagem gerada por inteligência artificial, inspiração da "retro pop art". Foto: AImg/Adobe.Stock - Gerado com IA

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No mundo da infodemia, da inteligência artificial e das mudanças no planeta, a nostalgia consolida a cada dia mais seu reinado. Mas o que está por trás de todo esse movimento de volta ao passado e saudade até do que não se viveu?

O conceito de nostalgia já passou por algumas repaginadas. Cunhado pelo estudante de Medicina suíço Johannes Hofer em 1934, o termo apareceu em sua dissertação pela primeira vez como uma doença com sintomas psicológicos e fisiológicos. Essa visão havia perdurado nos séculos 18 e 19 e, na virada do 20, ela ainda era vista como um transtorno psiquiátrico ou psicossomático que podia causar ansiedade, tristeza, pessimismo, insônia. Com o passar das décadas, essa percepção foi sendo suavizada e a nostalgia chegou aos dias atuais não mais como doença ou transtorno, e sim como uma emoção predominantemente positiva, embora “agridoce” - alguém aí assistiu ao filme Divertida Mente 2?

No centro, como uma velha senhora, a personagem que retratou a emoção nostalgia em Divertida Mente 2. Foto: Reprodução/Pixar

Feito pelo professor do Instituto de Psicologia da Academia Chinesa de Ciências Ziyan Yang e por colaboradores, o estudo Padrões de atividade cerebral associados à nostalgia: uma perspectiva da neurociência sócio-cognitiva, publicado no site da Oxford University Press, diz que a nostalgia surge de memórias pessoalmente relevantes e pode ser provocada por uma variedade de gatilhos, incluindo objetos, eventos, pessoas da infância ou juventude, canções, fotografias, cheiros, sabores. Com a possibilidade de ser vivenciada várias vezes, ocorre em culturas dos cinco continentes e é observada em todas as idades, de crianças mais velhas a adultos - já viram, por exemplo, a quantidade de reportagens sobre hábitos nostálgicos da Geração Z ultimamente?

Exames de neuroimagem mostram ainda, de acordo com o estudo, que a nostalgia envolve não só uma, mas diferentes regiões cerebrais, a exemplo do que ocorre também com outras emoções, como medo, raiva, tristeza, felicidade, nojo, surpresa. E envolve estruturas do cérebro relacionadas à autorreflexão (ligada a experiências significativas da vida da pessoa), à memória autobiográfica (nas lembranças nostálgicas, o eu é apresentado com destaque), à regulação emocional (provoca mais afeto positivo do que negativo) e ao sistema de recompensas.

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“A nostalgia aumenta a autoestima e o significado da vida, promove a conexão social e o apoio social, incentiva a busca de ajuda, melhora a saúde psicológica e o bem-estar e atenua estados disfóricos, como solidão, tédio, estresse ou ansiedade de morte”, resume a pesquisa, destacando que entre adultos mais velhos pode servir também para manter e melhorar funções emocionais e de memória, enriquecer o bem-estar psicológico e amenizar a depressão.

Não estranha que esteja tão em alta...

Mas há também um cenário que contribui para esses fatores. Como o dos tempos de crise.

Lembram por exemplo da pandemia de covid-19? Potencializou essa emoção, segundo o estudo Escapando do presente da pandemia: a relação entre uso nostálgico da mídia, escapismo e bem-estar durante a pandemia da COVID-19, publicado em 2022 pela Associação Americana de Psicologia.

Pesquisa feita durante o lockdown investigou o consumo de músicas, filmes, séries, (audio)livros, videogames, fotos e vídeos nostálgicos de 534 pessoas na Alemanha em abril e maio de 2020 e concluiu que eles realmente rendiam sensação de fuga e bem-estar. “Nossas descobertas indicam que para algumas pessoas a nostalgia funcionou como recurso para lidar com o estresse social (medo do isolamento) e estava relacionada ao escapismo funcional e disfuncional.”

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Mas, se a covid já foi controlada e a quarentena acabou, por que essa onda nostálgica não refreou e, ao contrário, continua ganhando adeptos, inclusive entre os mais jovens? A resposta pode estar na tensão, sobrecarga e confusão que os tempos atuais continuam representando para muita gente, mesmo sem medidas restritivas de circulação.

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Especialistas dizem que retornar ao que é conhecido psicologicamente, além de dar um calorzinho no coração, reforça nossa identidade, nos faz lembrar de conexões com outras pessoas e nos ajuda a sentir que temos ao menos algum controle sobre nosso desenvolvimento pessoal. São fatores que costumam trazer conforto, mas também balançar diante de adversidades.

“A mídia familiar de nosso passado atende a uma necessidade cognitiva: ela incentiva a crença de que as coisas vão melhorar porque já foram boas antes”, explica a pesquisadora e professora de Psicologia da LeMoyne College Krystine Batcho, em artigo na National Geographic. Não por acaso, segundo ela, muita gente se recorda da infância nessa busca por pertencimento e aconchego porque “na infância éramos amados simplesmente por sermos quem éramos”.

Nostálgicos de vários tipos, no entanto, não devem perder de vista que tendemos a aplicar sobre essas lembranças filtros pra lá de cor-de-rosa. Sabe a comida daquele restaurante que antigamente você achava o máximo e ao voltar anos depois vê que não era tudo isso? Ou aquele chiado que você esquece de lembrar ao contar sobre os programas que via antigamente na TV? Ou, ainda, aquelas antigas fitas cassete que enrolavam e as fitas de locadora que você odiava rebobinar antes de devolver, mas das quais hoje lembra com simpatia? Então...

“Lembrar-se das coisas como se fossem melhores do que eram serve a um propósito evolutivo (...) É uma função da sobrevivência da espécie podermos encobrir as partes ruins do passado”, diz Krystine à National Geographic, destacando que coisas negativas tendem a desaparecer mais rapidamente da nossa memória.

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Ao olhar nostalgicamente para o que já foi, portanto, é bom lembrar que essa lente cor-de-rosa sobre as memórias pode ter dado uma boa desajustada na realidade. E mais: permanecer ligada no passado - e muitas vezes em pessoas que se perderam no tempo - pode significar deixar de viver experiências em novos lugares, com novos protagonistas. Se a nostalgia servir como um alívio temporário em dias turbulentos, tudo bem. Mas ficar remoendo uma versão romantizada do passado tem, ao contrário, tudo para se transformar numa roubada.

Opinião por Luciana Garbin

Editora executiva no ‘Estadão’, professora na FAAP e mãe de gêmeos

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