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Coluna quinzenal da jornalista Luciana Garbin que traz foco para as questões femininas na sociedade atual

Opinião | Como não criar ‘cretinos digitais’? Neurocientista francês tem a resposta

Novo livro do neurocientista francês Michel Desmurget defende que livros são o melhor antídoto contra o empobrecimento da linguagem, dificuldade de concentração e outros problemas causados pela overdose de telas

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Foto do author Luciana Garbin
Atualização:

Na última reunião de pais no colégio, a professora de um dos meus filhos fez um apelo: “Por favor, peçam a seus filhos para lerem mais em casa, porque as leituras que fazemos na escola não são suficientes”. Com uma penca de disciplinas para ensinar, fui obrigada a concordar com ela e saí disposta a colaborar. Mas a lição de casa tem se revelado mais árdua com tantos jogos, telas e recursos digitais disponíveis a um clique. Em muitas famílias, fazer crianças e adolescentes focarem apenas no bom e velho livro virou desafio hercúleo hoje em dia.

E é justamente dele que trata o livro Faça-os ler! Para não criar cretinos digitais (Editora Vestígio), do neurocientista francês Michel Desmurget. Especializado em neurociência cognitiva, ele atua no Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da França e se tornou mais conhecido depois do best-seller A fábrica de cretinos digitais: o impacto das telas para nossas crianças. Nele, apresenta pesquisas feitas em países europeus que sustentam, entre outros pontos, que os “nativos digitais” podem ser os primeiros filhos a ter QI inferior ao dos pais.

Gosto pela leitura não é inato e precisa ser transmitido, de preferência pelos pais ou cuidadores Foto: Adobe Stock

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Segundo o autor, o abandono da leitura pelas novas gerações tem consequências não só no desempenho escolar, como também no vocabulário, na estruturação do pensamento, na nutrição da memória e na apropriação de conhecimentos complexos. A troca do livro pelo uso massivo de telas também está ligada a prejuízos no sono e na aquisição da linguagem, problemas de concentração e aumento da ansiedade e do risco de obesidade.

Esse recuo generalizado da leitura é sentido de forma mais marcante pelo meio universitário. Desmurget destaca em seu novo livro que pesquisas mostram que muitos estudantes sabem que é importante ler, sabem que os professores esperam que eles leiam e sabem que isso terá impacto em suas notas. Mesmo assim, não leem. E aí é que o problema se agrava porque os não leitores de hoje serão os professores de amanhã.

Desde o surgimento da linguagem, a humanidade não encontrou nada melhor que a leitura para estruturar o pensamento, organizar o desenvolvimento do cérebro e civilizar nossa relação com o mundo. O livro literalmente constrói a criança em sua tripla dimensão intelectual, emocional e social. Portanto, o brusco declínio dessa atividade nas novas gerações constitui um verdadeiro desastre para a fertilidade coletiva de nossa sociedade; e isso é ainda mais verdadeiro porque o desaparecimento da leitura ocorre em prol de uma cultura digital recreativa, certamente mais lucrativa para seus diversos atores industriais, mas cuja natureza embrutecedora é hoje definitivamente comprovada por um vasto conjunto de estudos científicos, com influências negativas, entre outros exemplos, na linguagem, na concentração, na impulsividade, no sono, na ansiedade e no desempenho escolar.”

Michel Desmurget, neurocientista francês

Desmurget defende que é hora de demonstrar que a leitura “por prazer” de maneira alguma constitui uma prática elitista, reservada a alguns privilegiados eruditos, mas sim é uma necessidade urgente de desenvolvimento para as crianças. Só há um problema: o gosto pela leitura não é inato. Ou seja, não brota espontaneamente em todos os seres humanos - precisa, em vez disso, ser transmitido. E aí nada como os pais - ou cuidadores - para assumir essa missão.

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“Vasculhei a literatura científica em todas as direções e não encontrei um antídoto melhor para a estupidificação das mentes do que a leitura”, escreve o pesquisador francês. “Ela é uma verdadeira máquina para moldar a inteligência em sua dimensão cognitiva (aquela que permite pensar, refletir e raciocinar), mas também, de maneira ampla, socioemocional (aquela que permite entender a si mesmo e aos outros, para benefício das relações sociais). O leitor é o anticretino digital!”

Desmurget lembra ainda que a tarefa é mais simples quando a criança é pequena, mas sempre é tempo de começar. “Claro que alguns pais podem se arrepender de não ter feito o suficiente porque não sabiam ou, mais comumente, não podiam. Todos carregamos essas amarguras. Mas, felizmente, no reino dos livros, nada está realmente perdido: não importa a idade, o sexo, as possíveis resistências ou as dificuldades escolares, o acesso aos benefícios (e prazeres) da leitura está sempre aberto, mesmo para supostos leitores esporádicos.” A dica é, portanto, arregaçar as mangas.

Aqui em casa, uma experiência que tem dado certo é trocar créditos de leitura por créditos em telas - uma hora de leitura, por exemplo, dá direito a determinado período de jogo. Ainda há reclamações, mas outro dia escutei uma frase do meu filho que me deixou animada: “Sabe, mamãe, que estou achando esse livro melhor que alguns programas do YouTube...?”.


Opinião por Luciana Garbin

Editora executiva no ‘Estadão’, professora na FAAP e mãe de gêmeos

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