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Coluna quinzenal da jornalista Luciana Garbin que traz foco para as questões femininas na sociedade atual

Opinião | Por que trocamos conversas reais pelo celular num encontro social? Pesquisadores respondem

Enquanto ciência tenta explicar nossas escolhas nem sempre saudáveis e movimentos alertam para a hiperutilização de smartphones, estabelecimentos como um restaurante em Verona lucram com marketing do detox digital

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Foto do author Luciana Garbin
Atualização:

Você trocaria duas horas com seu celular no jantar por uma garrafa de vinho? A proposta, feita pelo restaurante Al Condominio, de Verona, Itália, virou notícia em veículos de imprensa mundo afora semanas atrás. E não bastava a promessa. Para receber o brinde, era preciso trancar o smartphone numa caixa de metal e mostrar a chave ao garçom.

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“A tecnologia está se tornando um problema. Não há necessidade de olhar para o telefone a cada cinco segundos, mas para muitas pessoas é como uma droga… Assim os clientes podem deixá-lo de lado e beber um bom vinho”, disse o proprietário do restaurante, Angelo Lella, ao jornal britânico The Guardian. Seu objetivo, disse, era incentivar os clientes a conversar - em vez de perder ainda mais tempo no celular.

A cruzada faz sentido. Apesar de não ser nada educado trocar uma companhia por uma tela, já repararam como isso é comum por aí? Algumas pessoas ainda disfarçam, dizendo que precisam checar uma mensagem urgente ou pegar o celular para uma selfie. Mães têm o argumento da preocupação com os filhos, sempre justificável. Mas, depois da pandemia, ficou quase automático ir do cardápio por QR Code aos scrolls do Instagram, mensagens do WhatsApp ou vídeos do TikTok.

Pesquisa mostra que uso do celular reduz bem-estar proporcionado por interações sociais Foto: DisobeyArt / Adobe Stock

E o que se perde focando no smartphone em vez de prestar atenção em quem está ao seu lado ou à sua frente num encontro social?

Estudo de 2018 publicado no Journal of Experimental Social Psychology descobriu que o celular não só distrai o foco dos amigos e familiares como reduz o bem-estar proporcionado pelas interações sociais. Ainda assim, quase 90% dos donos de smartphone ouvidos na pesquisa haviam relatado tê-lo usado recentemente nesse tipo de encontro. E por que todo esse grude no dispositivo se isso, no final, deixará o usuário menos feliz?

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Para responder a essa pergunta, pesquisadores pediram a participantes que passassem 20 minutos com dois a três desconhecidos numa sala improvisada. Eles foram distribuídos em dois grupos: um com e outro sem acesso ao telefone. Periodicamente, eram questionados sobre o que estavam sentindo. A hipótese inicial dos pesquisadores era de que os telefones trariam benefícios iniciais, mas, com o tempo, minariam o prazer gerado pelas conexões presenciais. Resultados, porém, contradisseram essa hipótese: o estudo indicou que telefones não conferiram qualquer benefício, nem no início nem no final do encontro. Em vez disso, participantes com acesso a ele relataram pior experiência subjetiva global e socializaram significativamente menos em comparação aos sem smartphone. Em inglês, eles fizeram phubbing - phone (celular) + snubbing (esnobar) -, que significa ignorar ou deixar de conversar com alguém por estar focado na tela.

Agora, refazendo a pergunta: se os efeitos negativos do uso do telefone são tão claros, por que as pessoas continuam a fazer phubbing com os parentes e amigos?

A resposta pode estar numa visão deturpada de si próprio. Estudos mostram que as pessoas intuem com precisão os efeitos nocivos do uso do telefone por outras pessoas, mas não conseguem reconhecê-los quando elas mesmas estão usando. Ou seja, quando é com a gente, é mais fácil achar um motivo “positivo” para sacar o smartphone da bolsa. E não só: a própria pessoa também tende a superestimar sua capacidade de realizar multitarefas em comparação com os outros. Na linha: ‘Peraí, estou olhando aqui o telefone, mas fica tranquilo: também estou escutando o que você diz’.

Daí a isso ser verdade, porém, são outros 500...

Enquanto a ciência tenta explicar nossas escolhas nem sempre saudáveis e movimentos como o Stop Phubbing alertam para a hiperutilização do celular, o restaurante de Verona aproveita o marketing gerado pelo detox digital no jantar. “Queríamos abrir um restaurante diferente dos outros. Por isso escolhemos esse formato, de os clientes poderem optar por renunciar à tecnologia enquanto desfrutam de um momento de convívio”, disse Angelo. Pelo jeito com que a história se espalhou e as redes sociais reagiram, é bem capaz que exemplos como o do Al Condominio se espalhem por aí. E, tomara, por aqui também.

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Opinião por Luciana Garbin

Editora executiva no ‘Estadão’, professora na FAAP e mãe de gêmeos

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