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Coluna quinzenal da jornalista Luciana Garbin que traz foco para as questões femininas na sociedade atual

Opinião|O que fazer numa SP despreparada para crise climática?

Cientistas dizem que os eventos tendem a se tornar mais extremos. Estão as autoridades ao menos discutindo com a sociedade como adaptar as cidades a essa nova realidade?

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Foto do author Luciana Garbin
Atualização:

Por um minuto ontem uma enorme árvore não caiu na minha cabeça na rua. Numa simples caminhada com meu cachorro. Saí do plantão no jornal pensando também em aproveitar o passeio com o Cásper para comprar um material que faltava em casa. Mas desisti de passar na loja ao ver o céu ficando mais e mais carregado. Acelerei o passo quando o vento começou. Ao entrarmos no condomínio, escutei um barulhão. A árvore perto da esquina onde tínhamos acabado de passar havia despencado. Atingiu fios da rede elétrica e um transformador estourou, iluminando o céu com algumas chamas. Achei melhor evitarmos o elevador e subimos 21 andares de escada. Ao chegar em casa, uma vizinha postou no grupo do prédio a seguinte foto da árvore caída.

Árvore derrubada por fortes ventos na tarde de 3 de novembro. Foto: Julia Corradi de Sá Foto: Julia Corradi de Sá

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Outras pessoas ontem não tiveram a mesma sorte e morreram atingidas por árvores na mesma tempestade. Entrarão na contabilidade de mortos pela chuva. Uma contabilidade que seria inacreditável décadas atrás, mas agora tende a se tornar mais e mais comum num cenário em que os eventos climáticos parecem mais extremos e bagunçados. Recorde de secas e enchentes, tempestades extremas, rajadas de ventos, muito calor ou muito frio em períodos inesperados.

E a questão que fica é: estão nossas cidades preparadas para lidar com as consequências desses eventos? E mais: estão as autoridades ao menos discutindo de maneira apropriada e abrangente com a sociedade como adaptar os municípios a essa nova realidade climática?

Enquanto escrevo esta coluna, leio que dezenas de bairros em São Paulo estão há 20 horas sem luz. Certamente também há várias ruas interrompidas pelas centenas de árvores que caíram e ainda não foram retiradas das vias. Árvores enormes, mas fragilizadas por doenças, cupins e podas irregulares. Além de semáforos apagados complicando o trânsito e outros problemas.

O mais chocante, porém, é ler sobre as mortes. Lembro de há muitos anos ter ficado impactada ao saber que uma senhora havia sido levada pela enchente na Avenida Pompeia. Muita gente também se comoveu. De lá para cá, esses casos se multiplicaram. Só na chuva de ontem, ao menos seis pessoas morreram - duas na zona leste paulistana, atingidas por uma árvore que caiu sobre o veículo onde estavam; uma em Osasco, pelo mesmo motivo; uma em Santo André, após queda de parede de um prédio em construção; outra em Limeira, por queda de muro; e mais uma em Suzano, atingida por uma árvore. Uma rápida pesquisa e me deparo com outras várias mortes, causadas por temporais recentes.

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Será que esse tema não deveria estar sendo mais discutido pelas autoridades? Será que as pessoas não deveriam estar sendo alertadas sobre cuidados a tomar diante de previsão de rajadas de vento que passam de 100 km/h e fortes chuvas? Recebi ontem três SMSs da Defesa Civil alertando sobre chuva com vento e raios na capital e em cidades vizinhas e recomendando buscar abrigo, não ficar embaixo de árvores, evitar áreas abertas e não enfrentar alagamentos. Mas será que todos os habitantes de São Paulo recebem também essas mensagens? E são elas as mais efetivas para evitar problemas?

Em outubro, durante o Summit Saúde promovido pelo Estadão, o médico patologista Paulo Hilário Nascimento Saldiva, professor titular da USP, comparou a cidade de São Paulo a uma senhora de quase 470 anos, onde bairros são órgãos do corpo e pessoas, as células. “São Paulo é uma senhora obesa, porque cresceu demais e as doenças dela são várias. Ela tem obstrução arterial por trombos metálicos, ela tem diarreia aquosa nos rios, quando chove ela faz edema e inunda, quando não chove ela desidrata e faz febre. Tem até um pouco de Alzheimer dos neurônios dirigentes porque cada administração esquece o que foi feito de bom. Ou mesmo do que prometeu. Então é uma senhora que tem problemas”, disse o médico.

Para Saldiva, fala-se muito hoje de medicina de precisão, mas é preciso ter políticas públicas de precisão. Sobretudo em São Paulo, onde se construiu um deserto de concreto e asfalto e há muitas vulnerabilidades. O professor lembrou que a capacidade das pessoas em se defender de eventos potencializados pelas mudanças climáticas é limitado - um só cidadão não consegue por exemplo reflorestar sua cidade. Dependemos todos, portanto, de políticas públicas.

“É uma situação que de alguma forma impede uma resposta efetiva por parte das pessoas afetadas”, resumiu o professor, após apresentar estudo publicado na revista Lancet sobre o risco de mortalidade diante da queda ou aumento de temperatura em 740 cidades do mundo. “(Em) São Paulo, com 30ºC já temos um aumento de 50% nas mortes. E 50% das mortes numa cidade onde morrem 160, 180 pessoas por dia é (muita) gente”, afirmou.

Além da questão humanitária, estudos já apontam uma imensa perda de produtividade econômica causada por mortes e adoecimentos relacionados às mudanças climáticas - US$ 1,5 bilhão só no Brasil, levando-se em conta custos para o sistema de saúde e perda de renda das famílias. E qual tem sido a resposta diante disso? ”Quando se fala de aquecimento global e se põe o urso polar e o iceberg derretendo, você fica com pena, mas isso está longe, vai acontecer daqui a décadas. A questão é que já estamos perdendo gente hoje”, alertou Saldiva no Summit Saúde.

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A tempestade de ontem só reforça a necessidade de se refletir sobre o que o professor diz. A ver se essa reflexão estará nas discussões eleitorais para a campanha à Prefeitura no ano que vem.

Opinião por Luciana Garbin

Editora executiva no ‘Estadão’, professora na FAAP e mãe de gêmeos

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