Vladimir Nabokov, cuja obra é polvilhada de citações de Shakespeare, escancaradas ou sutis, deu o título In Aleppo Once a um conto sobre ciúmes e desentendimentos, como a tragédia de Otelo, convencido por Iago que a doce e fiel Desdêmona o trai. Até hoje se discute a motivação de Iago para montar a intriga mortal. Apenas uma maldade gratuita de um dos piores caracteres de toda a literatura, ciúmes da virtuosa Desdêmona ou – uma especulação moderna – amor homossexual por Otelo?
Nabokov se deliciou ao descobrir que Shakespeare, que também era ator, tinha feito o papel do fantasma do pai de Hamlet no palco do teatro Globe. O papel é pequeno, mas essencial na trama, sem ele e sem seu clamor por vingança não haveria a peça. E é o fantasma que se despede de Hamlet antes de desaparecer na bruma, dizendo “Adieu, adieu, adieu. Remember me, remember me...”. Poderia ser o autor falando pela boca do ator, pedindo para se lembrarem dele.
E Shakespeare não foi esquecido nos 400 anos que nos separam da primeira encenação de Hamlet. Volta e meia surge uma adaptação nova de uma peça dele. Grandes escritores se renderam ao seu sortilégio – Nabokov, talvez, mais do que todos. James Joyce dedica um capítulo inteiro do seu Ulysses a Shakespeare e o seu legado literário. “Remember me, remember me.” Em Alepo, há 400 anos, foi a mesma súplica de um triste mouro, que amou não sabiamente, mas demais.
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