Nada mais impressionante que cidades que um dia abrigaram vida, pessoas, trabalho, paixão, sonhos ,e hoje se encontram abandonadas. Essas urbes defuntas, com suas assombrações, é o tema de Cidades Fantasmas, de Tyrell Spencer. Apesar do nome gringo, Spencer é gaúcho da fronteira.
Com sua câmera, ele estuda quatro cidades que um dia deixaram de sê-lo. Huberstone (Chile), antigo centro produtor de salitre. Fordlândia, no Pará, que teve seu auge no ciclo da borracha e depois foi abandonada pela empresa de Henry Ford. Armero, na Colômbia, devastada pela erupção do vulcão Nevado del Ruiz, em 1985. E Villa Epecuén, antigo balneário de luxo argentino, destruído pela inundação do seu lago de águas medicinais.
Spencer encontra poucos e bons personagens para contar histórias dos tempos antigos. São às vezes vítimas e sobreviventes da tragédia que destruiu o lugar, como a mãe colombiana que conta ter se perdido da filha com quatro anos na ocasião e até hoje não a reencontrou. Ou do velho habitante de Epecuén, que se recusa a sair do lugar e hoje percorre as ruínas em sua bicicleta, seguido por uma matilha de cães.
Atrás de cada uma dessas tragédias pode ser visto o encontro de uma fatalidade econômica ou da natureza com o descaso das autoridades. Técnicas mal sucedidas, como o desvio de um rio para abastecer o lago de Epecuen em tempo de seca. Ou falta de aviso do perigo iminente de erupção às populações, como no do vulcão de Armero. Ou fim de ciclos econômicos, como o da salitre e o da borracha, não acompanhados do devido atendimento a populações entregues à própria sorte.
Além dos bons depoimentos, o filme se vale de uma filmagem intimista, a percorrer as ruínas em labirinto em longos planos-sequência, como a câmera de O Ano Passado em Marienbad, o clássico de Alain Resnais sobre o tempo. Cidades Fantasmas é também sobre isso, a fatal ação do tempo sobre as coisas e as gentes, o trabalho da morte, labor paciente, sem descanso, sem férias ou dias festivos.
Belo e melancólico filme.
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