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Opinião|A Substância: o horror, o horror...

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
 

Coralie Fargeat é uma cineasta que despreza a sutileza. Parece achá-la uma demonstração de fraqueza. Como tem uma tese a demonstrar, prefere esfregá-la na cara do público, sem ambiguidades, considerações, dúvidas ou outras hesitações do pensamento. Dessa forma, em que pese seu caráter polêmico, A Substância, seu segundo longa, premiado em Cannes, é um filme do seu tempo. Do nosso tempo. Cru, violento, redundante, superficial. Foi recompensado pelo prêmio de roteiro no festival francês pelo júri presidido por Greta Gerwig (de Barbie).

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A história é, em parte, imitação da carreira de Demi Moore. Uma deusa de beleza e sensualidade na juventude, badalada a mais não poder e recebendo mais ofertas do que poderia aceitar. Mas o tempo passa, como dizia um famoso locutor esportivo brasileiro. E eis sua personagem, Elizabeth, na maturidade e ganhando a vida com programa na TV de ginástica aeróbica. Vai perder até mesmo esse posto. Descobre quando, escondida no banheiro masculino, ouve seu chefe, Harvey (Dennis Quaid) falar do propósito de demitir "aquela velha". Ela.

Quaid interpreta um canalha completo. Oportunista, cínico, autoritário, um idiota completo dotado de ego descomunal, ele simboliza o conjunto do gênero masculino. Precisa comer como um animal faminto, porque, caso tivesse modos à mesa, poderia comprometer a "mensagem" da obra. Então a câmera entra quase na boca do homem, goela abaixo, para mostrar como é grosseiro, comilão, voraz, asqueroso, sem modos e está lá para devorar toda a humanidade, com predileção pelo gênero feminino. Ele tem que se chamar Harvey para que os distraídos não se esqueçam de Harvey Weinstein, o macho alfa da Miramax que acabou em cana pelas agressões sexuais às mulheres.

A premissa sci-fi de A Substância tem lá sua inventividade, embora nunca pareça verossímil. Quem for ver o filme verá e julgará por si. Não se trata de um processo de rejuvenescimento convencional, mas da criação de uma espécie de clone, muito mais nova que o modelo original. Mas as duas são uma e precisam viver em equilíbrio. Quando este se rompe, abre-se o caminho para uma exploração cada vez maior do grotesco, como se Fargeat não apenas dialogasse com o chamado cinema de gênero, mas passasse a testar limites, seus e do público. A cada volta no parafuso, ficamos esperando e nos perguntando: depois disso, o que mais pode vir?

E vem, sempre mais e mais, muito além do suportável. Até desabar num final piegas, mas dotado de certa beleza, é verdade, alusão à inevitável finitude e de como tudo - a glória, a juventude, a beleza - é enfim varrido como lixo, mesmo que concentrado na efígie desbotada da calçada da fama. Sic transit gloria mundi - dizem os cristãos. Tudo é transitório. Mais ainda filmes feitos para "causar", e nada mais.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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