BRASÍLIA - Em cerimônia realizada no Cine Brasília, o drama queer Salomé, do pernambucano André Antônio, recebeu o troféu Candango principal, o de melhor filme. Fez mais: ganhou o prêmio do público e também o da crítica. É muito raro um filme receber ao mesmo tempo essas três distinções, que os jornalistas chamam de "tríplice coroa". Além do mais, Salomé levou os troféus para roteiro (André Antônio), atriz coadjuvante (Renata Carvalho), direção de arte (Maíra Mesquita), trilha sonora (Mateus Alves e Piero Bianchi) e também o prêmio do Canal Like. Estaremos diante de uma nova obra-prima do cinema nacional? Deixemos a pergunta pendente.
Suçuarana, de Clarissa Campolina e Sérgio Borges, assegurou um simbólico segundo lugar ao acumular os troféus de melhor atriz (Sinara Teles), coadjuvante (Carlos Francisco), fotografia (Ivo Lopes de Araújo), montagem (Luiz Pretti) e edição de som (Pablo Lamar). Uma boa premiação para um filme complexo, bem talhado e denso. Se não venceu, não foi por falta de qualidade.
O filme indígena Meu Pai, Kaiowá (MG) ficou com o troféu de melhor direção para Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero e Luisa Lana). Tem méritos, sem dúvida, e merecia ser premiado. Mas não me parece particularmente muito bem dirigido.
Já a surpreendente produção do DF, Pacto da Viola, de Guilherme Bacalhao, ficou com o prêmio de melhor ator, para o de fato ótimo Wellington Abreu).
O mais arrojado de todos, A Fúria, de Ruy Guerra e Luciana Mazzotti, recebeu o Prêmio Especial do Júri, que, no Brasil, sempre parece um prêmio de consolação, não raro atribuído de má-vontade, e apenas para constar. Os cineastas sabem disso. O há pouco falecido Vladimir Carvalho, ícone do documentário brasiliense e brasileiro, dizia detestar receber prêmios especiais do júri.
Na minha opinião, A Fúria era o filme que merecia o Candango principal, além do de melhor diretor para Ruy Guerra, esse veterano do Cinema Novo com seus 93 anos e ousadia de um jovem irreverente. Mas os tempos não estão para filmes políticos, a não que tratem de políticas do corpo. Imagino que se Glauber Rocha submetesse Terra em Transe aos júris de hoje, correria o risco de sair de mãos abanando.
A Mostra Brasília, destinada às produções do DF, consagrou Tesouro Natterer, de Renato Barbieri, que já havia vencido o festival de documentários É Tudo Verdade. Nesse segmento, A Câmara, de Cristiane Bernardes e Tiago de Aragão, venceu no júri popular. O mais criativo de todos, Nada, de Adriano Guimarães, ganhou direção, direção de arte (Maíra Carvalho, Marcus Takatsuka e Nadine Diel), edição de som (Guile Martins e Olívia Hernández).
O melhor curta brasileiro foi o pernambucano Mar de Dentro, de Lia Letícia, que também levou direção e Prêmio Zózimo Bulbul.
No todo, premiações à parte, o Festival de Brasília conseguiu reunir filmes muito bons e estimulantes em suas diversas mostras. Ficará ainda melhor no ano que vem, quando, como prometeu a direção, voltará à sua data tradicional, o mês de setembro. Antecipando-se aos festivais gigantes, Festival do Rio e Mostra de São Paulo, em particular, terá material inédito mais vasto para trabalhar em suas curadorias.
Premiação completa:
LONGA-METRAGEM BRASILEIRO
. "Salomé" (PE), de André Antônio - melhor filme do Júri e do Público, Prêmio Abraccine, roteiro (André Antônio), atriz coadjuvante (Renata Carvalho), direção de arte (Maíra Mesquita) , trilha sonora (Mateus Alves e Piero Bianchi). Prêmio Canal Like . "Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá" (MG) - melhor direção (Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero e Luisa Lanna) . "Suçuarana" (MG), de Clarissa Campolina e Sergio Borges - melhor atriz (Sinara Teles), coadjuvante (Carlos Francisco), fotografia (Ivo Lopes de Araújo), montagem (Luiz Pretti), edição de som (Pablo Lamar) . "Pacto da Viola" (DF), de Guilherme Bacalhao - melhor ator (Wellington Abreu) . "A Fúria", de Ruy Guerra e Luciana Mazzotti (RJ) - Prêmio Especial do Júri ao cineasta Ruy Guerra, Prêmio São Saruê-Correio Braziliense (melhor momento do Festival)
CURTA-METRAGEM BRASILEIRO
. "Mar de Dentro" (PE), de Lia Letícia - melhor filme, direção, Prêmio Zózimo Bulbul (Apan) . "Javyju - Bom Dia" (SP), de Kunha Rete e Carlos Eduardo Magalhães - Júri popular . "E seu Corpo é Belo" (RJ), de Yuri Costa - melhor ator (João Pedro Oliveira), direção de arte (Caroline Meirelles), Kiko Ferraz e Ricardo Costa (edição de som) . "Mãe do Ouro" (MG) , de Maick Hannder - melhor atriz (Calandréia Ribeiro), fotografia (Fernanda Sena) . "Descamar" (DF), de Nicolau - melhor roteiro (Nicolau) . "Confluências", de Dácia Ibiapina - melhor montagem (Cristina Amaral), Premio Ação Afirmativa do Codipir (Conselho Distrital de Promoção da Igualdade Racial) . "Kabuki" (SC), de Tiago Minamisawa - melhor trilha sonora (Ruben Feffer e Gustavo Kurlat), Prêmio Abraccine, Prêmio Canal Brasil . "Dois Nilos" (RJ), de Samuel Lobo e Rodrigo de Janeiro - menção honrosa, Prêmio Zózimo Bulbul especial.
MOSTRA BRASÍLIA
. "Tesouro Natterer", de Renato Barbieri - melhor filme, roteiro (Andrea Fenzl, Victor Leonardi, Renato Barbieri, Neto Borges e Rodrigo Borges), trilha sonora (Márcio Vermelho e Pedro Zopelar) . "A Câmara", de Cristiane Bernardes e Tiago de Aragão - Júri popular . "Nada", de Adriano Guimarães - melhor direção, direção de arte (Maíra Carvalho, Marcus Takatsuka e Nadine Diel), edição de som (Guile Martins e Olívia Hernández) . "Via Sacra", de João Campos - melhor filme, atriz (Gleide Firmino) . "Manequim", de Danilo Borges e Diego Borges - Júri popular (curta) . "Manual do Herói", de Fáuston Silva - melhor ator (Eduardo Gabriel Ydiriuá) . "Xarpi", de Rafael Lobo - melhor fotografia (Emília Silberstein) . "A sua Imagem na minha Caixa de Correio", de Silvino Mendonça - melhor montagem (Silvino Mendonça) . Menção Honrosa do Júri - Para Juliana Drummond pela excepcional performance nas apresentações da Mostra Brasília
MOSTRA CALEIDOSCÓPIO (Brasil)
. "Filhas da Noite" (PE), de Henrique Arruda e Sylara Silvério - melhor filme . "Topo" (SP), de Eugenio Puppo - Prêmio Especial do Júri
PRÊMIOS CPCB
. "Barreto, Fotógrafo das Lentes Nuas" (RJ), de Miguel Freire - Prêmio Prêmio Marco Antônio Guimarães, do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro (por seu trabalho de memória e arquivo do nosso audiovisual)
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