Diário crítico (5)
BRASÍLIA - Mais um forte candidato aos prêmios do Festival de Brasília 2024, o amazonense Enquanto o Céu não me Espera, de Christiane Garcia, causou ótima impressão ao ser exibido no Cine Brasília.
Pinta com veracidade e dureza a realidade dos povos ribeirinhos numa situação emergencial, durante as grandes cheias do rio. São atípicas e devem-se às mudanças climáticas. As pessoas parecem não estar preparadas para elas e não conseguem se defender de maneira adequada.
A ação é centrada na família composta por Vicente (Irandhir Santos) e Rita (Priscila Vilela) e filhos. As águas sobem, estragam a colheita, um garoto fica doente, a família tem dificuldades em sobreviver. A vontade às vezes é desistir de tudo e tentar a vida na cidade, como quer Rita. Mas Vicente é teimoso, arraigado ao lugar e à sua casa - a esta altura já alagada - e não quer abandoná-la.
É um filme feito sobre as águas, e às vezes embaixo delas, o que trouxe grandes dificuldades técnicas, expostas pela diretora ao longo do debate sobre sua obra. Inclusive a filmagem de uma cena específica que gerou um embate entre o fotógrafo e a diretora.
Exigiu um esforço especial do elenco. É feito de conflitos no meio familiar, por causas internas e intensificadas pela situação de calamidade. Em desespero, Rita se apega à religião (evangélica), o que precipita ainda mais a família no caos.
O filme deu a impressão de ser forte candidato nas categorias de ator e atriz, além de fotografia, assinada por Ralf Tambke. Pode ir além disso. Mas nunca se sabe como pensam os júris.
Curtas
E assim aprendi a voar (RO), de Antonio Fargoni. Apresenta Guilherme (Guilherme Sussuarana), cadeirante, e a maneira como enfrenta a deficiência, com coragem, jamais se vitimizando.
Mãe de Ouro, de Maick Hannder. O diretor recria, de maneira ficcional, um caso de feminicídio ocorrido em sua família. Filme intenso, bem concebido e tirado de uma experiência pessoal que o potencializa.
Mostra Brasília
Talvez para surpresa de quem não havia lido a sinopse, o concorrente de ontem da Mostra Brasília foi um filme de super-herois, dirigido por Fáuston da Silva. Em Manual do Herói, um garoto, Agnus, ao estar num ônibus assaltado, percebe que pode ser ele próprio um super-heroi ao invés de simples admirador. Para isso precisa encontrar um mentor. Aliás, uma mentora.
Cheio de peripécias e menções (cifradas para ignorantes como eu) às séries da Marvel, o diretor constroi uma jornada de heroi de periferia.
Talvez se tivesse radicalizado o lado trash, o filme ganhasse com isso. Mas ele é bem-feito, limpinho, com inúmeros efeitos especiais e cenas de lutas bem coreografadas. Leva-se a sério demais, em suma.
O público adorou. Recebeu uma consagração no Cine Brasília lotado até as tampas. Foi, até agora, o filme mais aplaudido de todo o festival. Dificilmente a vitória no júri popular lhe escapa.
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