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Opinião | Brasília 2024: 'Meu Pai Kaiowá', a labiríntica procura pelo personagem desaparecido

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
 

Diário crítico (4)

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BRASÍLIA - Jornada dupla a partir de agora, com o começo da Mostra Brasília, o que me obriga a ser mais sintético que de hábito. 

Mas, vamos por partes e comecemos pela mostra nacional, que apresentou seu terceiro longa, Yõg Ãtak: Meu pai, Kaiowá, de Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero e Luísa Lanna. Direção mista, como se vê. 

Trata-se de um filme de busca, em que Sueli Maxakali procura pelo pai, Luis Kaiowá, de quem foi separada durante a ditadura militar brasileira. 

Achei a narrativa bastante labiríntica e demorei a entrar no filme. Não vou dar spoiler sobre os resultados dessa busca, mas apenas dizer que, em sua reta final, a narrativa parece se aprumar, torna-se mais coesa e menos digressiva. Sei como é: esses são valores ocidentais, na berlinda pelas posturas "decoloniais". No entanto, nosso imaginário é formatado desse jeito, e talvez colonizado mesmo por esse formato, embora a linearidade tenha sido virada de cabeça para baixo há décadas - veja-se Godard, Resnais, Glauber, Straub-Huillet, etc. 

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Nessa busca por Luis, o filme aborda as questões das lutas indígenas por demarcação de suas terras e defesa dos seus territórios e cultura. Tudo muito justo. No entanto, hoje em dia, e com as melhores intenções, há tanto cuidado em não ferir suscetibilidades, invadir a alteridade alheia, ou ser acusado de apropriação cultural, que as narrativas resultam obscuras, ambivalentes ou desnecessariamente elípticas. Pisa-se em ovos e falta clareza, a meu ver.

Em todo caso, em seus momentos melhores, aproxima-se da beleza de obras recentes sobre tema semelhante, como Diário de uma Busca, de Flávia Castro, e Nada Sobre meu Pai, de Susanna Lira. Em meio a tanta diversidade, talvez haja alguns universais, como o sentimento da filha pelo pai, por exemplo.  

Curtas

Mar de Dentro (PE), de Lia Letícia, me pareceu um curta interessante ao recuperar a figura de Preto Sérgio e sua luta pela liberdade. A diretora faz um filme híbrido, lidando com telas duplas, e inserções pictóricas que potencializam a narração das peripécias do personagem. Sintético e forte. 

Confluências (DF), de Dácia Ibiapina, traz também um personagem fascinante, o filósofo quilombola Antonio Bispo dos Santos (Nêgo Bispo), que compartilha seus interesses, opiniões e saberes. Há outra forma de conhecimento que se insinua por aí, com inclusão de vozes relevantes, antes silenciadas. Uma frase do Nêgo Bispo: "Se tem só um olhar, é ficção; com muitos olhares, se torna História". Não hesitemos em colocar a palavra com H maiúsculo, porque é disso que se trata. 

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Mostra Brasília

Nada (DF) é o interessante longa de estreia de Adriano Guimarães que, junto com seu irmão Fernando, turbina há muito tempo a cena teatral da cidade. 

Temos aqui duas irmãs. Ana é ocupadíssima e Tereza está doente. Recolhe-se à fazenda da família para viver seus últimos dias. Ana a acompanha, mas tudo é difícil. Tenta gerir seus negócios pelo celular mas não há sinal de wifi, a não ser no pico de um morro de difícil acesso. 

Além disso, existe lá uma antena, instalada não se sabe por quem nem porquê, que interfere na vida das pessoas. Quando está ligada, Tereza fica sonada e não sai da cama. Um vizinho diz que, depois da antena, começou a ter uma espécie de memória absoluta e não se esquece de mais nada - referência possível ao conto Funes, o Memorioso, de Jorge Luis Borges.

Aos poucos, essa atmosfera de fantástico impregna uma narrativa lenta, envolvente, misteriosa. Até que...

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Muito bom filme. 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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