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Opinião|Cine OP 2024: 'Agudás - os Brasileiros do Benin' e as contradições da História

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio

 

 

OURO PRETO - Sessão concorrida ontem, no Cine Teatro do Centro de Convenções, para assistir a Agudás - os Brasileiros do Benin, surpreendente documentário de Aída Marques sobre a influência cruzada entre África e Brasil, tomando um caso específico.

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No caso, a vida dos agudás do presente, descendentes de africanos escravizados no Brasil que, com a Abolição, voltaram à terra de origem, levando para lá costumes e cultura do Brasil. Mas há também entre eles descendentes de traficantes de escravos, o que forma uma camada social tecida de contradições.

O doc entrevista diversas pessoas identificadas como agudás, que se dedicam às artes, à culinária, à literatura, etc. Em longa sequência, mostra um bairro todo ele construído segundo "arquitetura brasileira" e que agora é preservado como tesouro nacional do Benin. Um arquiteto elogia as construções, adequadas para o clima quente, com seus bem planejados espaços para circulação de ar. E também suas janelas que permitem aos moradores observar as ruas sem serem vistos. Costumes.

O filme é feito a partir de estudos do fotógrafo e antropólogo Milton Guaran, autor do livro homônimo ao filme.

Além dos depoimentos, o doc soma informação com imagens de muito impacto sobre o país africano e seus moradores. E relembra figuras históricas como a de Francisco Félix de Souza, considerado o maior traficante de escravos de sua época, que se tornou Xaxá, um protegido do rei, e deixou fortuna e vasta descendência.

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O filme usa também o recurso de performances artísticas, que tematizam  questões deixadas em suspenso nessa antropologia de dupla entrada.

Numa dessas encenações, um dos atores-personagens se perguntam "Para onde foram as vozes de outrora?" - evocação dos versos famosos de François Villon "Où sont les neiges d'antain" - Para onde foram as neves de antanho?

A mesma questão sobre o tempo, que tudo leva, mas deixa rastros. No caso, restos muito significativos do nosso passado escravocrata, tão presentes ainda na maneira como se estrutura entre nós o racismo e a desigualdade social.

Restos também de uma insólita aliança entre comerciantes de escravos e ex-escravizados na formação de uma comunidade africana que também se considera "brasileira" e cultiva a nossa cultura.

Como escrevem no catálogo os curadores da mostra contemporânea de longas-metragens da Cine OP, Cleber Eduardo, Mariana Queen Nwabasili e Rubens Fabrício Anzolin: "...o eixo estruturante do filme e seu ponto de interesse para a Cine OP: a investigação sobre como as atuais paisagens urbanas e relações sociais e culturais no Benin se inscrevem na história do Brasil (e vice-versa), sobretudo em relação ao tráfico de escravizados de lá para cá e ao retorno de ex-escravizados de cá para lá."

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A História é cheia de estranhezas e de contradições. Não adianta querer simplificá-la.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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