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Opinião|Cine PE 2024: Álbuns de família

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio

RECIFE - Sessão dupla de longas, precedida por três curtas-metragens, foi a massacrante sessão de encerramento do Cine PE ontem à noite, com o cinema esvaziado no último longa devido ao cansaço do público e ao frio polar que reina no Cinema do Teatro do Parque, devido ao ar refrigerado enlouquecido. Os prêmios serão conhecidos hoje à noite, no mesmo local. Preparem seus agasalhos, estamos no Recife Frio, para evocar o belo curta de Kléber Mendonça Filho.

Um dado a ser notado na programação de ontem foi a predominância de documentários em primeira pessoa, testemunhais, evocando a vida familiar em seus diversos aspectos - os curtas Vermelho Oliva, de Nina Tedesco, Guaracy, de Elite Della Violla e Daniel Bruson, e o longa Geografia Afetiva, de Mari Moraga.

 

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Pode ser um agrupamento de obras semelhantes reunidas pela curadoria, na esperança de que dialoguem entre si. Pode ser algo maior do que isso, uma tendência, algo mais amplo, refletindo a predominância de um tipo de preocupação, a abordagem do "real" pelo ponto de vista do Eu do(a) realizador(a). Isso precisa ser melhor investigado. É apenas uma hipótese.

Em Vermelho-Oliva temos uma espécie de encontro cinematográfico entre a diretora, sindicalista e de esquerda, e a memória de um avô militar. Em Guaracy, a neta investiga a relação com o avô, um ex-policial com alma de artista, violonista e, em aparência, um ser sensível. Ela se pergunta: "como ele conseguiu se endurecer para o exercício da profissão?" No longa Geografia Afetiva examina-se a dispersão da família da diretora, provocada pela guerra civil em El Salvador.

Seria banal dizer que são filmes diferentes entre si (um filme é sempre diferente do outro, a não ser no caso da linha de montagem do cinema industrial), mas essa pegada em primeira pessoa e, por consequência intimista, os aproxima, assim como o foco na questão familiar. Os três jogam com a sensibilidade. Com os "afetos", como é de praxe falar hoje em dia. Separam-se quase por completo do contexto que cerca as histórias individuais, ou o diluem ao máximo, empurrando-o para um esmaecido pano de fundo. Se for assim, a meu ver diminui a compreensão que se possa ter dos personagens retratados. A ênfase fica sendo na relação entre os personagens e a pessoa do cineasta. A investigar.

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Já o longa ficcional No Caminho Encontrei o Vento, de Antonio Fargoni, me pareceu uma promessa não cumprida. Um rapaz, Pedro, vai a uma localidade distante tomar posse da casa herdada de um pai que ele pouco conheceu. Quer vender o imóvel, apenas isso. Encontra-o num descampado em meio ao um barulhento parque eólico, com suas turbinas funcionando dia e noite e atormentando os vizinhos.

Pedro (Alexandre Guimarães) vai descobrindo algo do pai através de objetos deixados na casa e também pela lembrança de um dos vizinhos. Ele se sente perdido e distante de sua casa, no Recife, onde deixou mulher e filho. Nota-se que o zumbido constante das turbinas eólicas o estão enlouquecendo, e o filme trata dessa queda de subjetividade.

Poucos diálogos, trabalho de som intenso e confiança no poder evocativo das imagens são suas qualidades. Soluções muito abruptas, pouco convincentes e inverossímeis deixam um sabor de decepção.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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