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Opinião | É preciso perdoar...

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É preciso perdoar...

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Minha obsessão atual é o álbum Getz/Gilberto ´76. Gravado ao vivo, ao longo de várias noites, num clube de jazz de San Francisco chamado Keystone Korner. O lugar não existe mais, João e Getz estão mortos, mas o som chegou até nós.  

O disco todo é fabuloso, mas uma faixa me toca em particular - o samba É Preciso Perdoar, de Carlos Coqueijo e Alcivando Luz. Eu já o conhecia, mas nunca havia prestado atenção particular. Quando o ouvi - graças ao algoritmo do Spotify - me soou como uma epifania, uma espécie de senha de felicidade, uma passagem para outra dimensão qualquer e melhor do que esta. Incrível como João, tão perfeccionista em estúdio, podia render em apresentações ao vivo, mesmo com barulho de copos e vozes ao fundo. 

Na verdade, há dois takes de É Preciso Perdoar no disco. Um é a primeira faixa, após a introdução generosa de Stan Getz, com palavras precisas a respeito de João. Num trecho ele diz como é incrível a voz de uma pessoa que consegue transmitir tamanho calor de interpretação sem usar um único vibrato. Verdade pura sobre a profundidade do minimalismo de João. 

O segundo take é mais longo (6'28'' contra 5'51'' do primeiro). E me parece mais inspirado ainda, sugerindo um bis no  nostálgico fim de noite, quando o uísque já subiu à cabeça do público e se sabe que algo maravilhoso está para terminar. Havia brasileiros por lá, pois se ouvem as vozes em português quando a música é anunciada. Quem serão, onde estarão esses felizes patrícios que testemunharam momentos tão especiais ao vivo?

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Além da voz e do violão de João Gilberto, há outra coisa notável a se ouvir nesse samba e também nas outras faixas: a maneira carinhosa (não há outro termo) como os músicos norte-americanos se amoldaram ao estilo do brasileiro ao acompanhá-lo. O baterista apenas roça as baquetas nos pratos. A pianista usa poucas notas, à maneira de Tom Jobim, como para não atrapalhar o violão. O baixo é preciso e econômico. Um conjunto de câmera. 

Discrição só quebrada quando entra em cena o sax alto de Stan Getz, que põe um volume a mais na discreta magia daquela interpretação. Um crítico do Observer, David Gelly, escreve que, comparado à sutileza da voz e do violão de João Gilberto, mesmo o magnífico (gorgeous) sax tenor de Getz soa estridente. Verdade pura. Mas, sejamos justos: o sax de Stan Getz é muito bom.

Abaixo, a ficha técnica com músicas e instrumentistas:  

  1. Spoken Intro by Stan Getz - 1:09
  2. "É Preciso Perdoar" (Carlos Coqueijo, Alcivando Luz) - 5:51
  3. "Aguas de Março" (Antônio Carlos Jobim) - 5:47
  4. "Retrato em Branco e Preto" (Jobim, Chico Buarque) - 4:48
  5. "Samba da Minha Terra" (Dorival Caymmi) - 3:21
  6. "Chega de Saudade" (Jobim, Vinícius de Moraes) - 3:43
  7. "Rosa Morena" (Caymmi) - 4:26
  8. "Eu Vim da Bahia" (Gilberto Gil) - 4:12
  9. "João Marcelo" (João Gilberto) - 3:21
  10. "Doralice" (Caymmi, Antônio Almeida) - 3:48
  11. "Morena Boca de Ouro" (Ary Barroso) - 3:34
  12. "Um Abraço No Bonfá" (Gilberto) - 4:39
  13. "É Preciso Perdoar" [Encore]" (Coqueijo, Luz) - 6:28

Músicos 

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     João Gilberto - guitar, vocals

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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