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Opinião | ETV 2024 (2): Em 'Antonio Candido, anotações finais', a vida reduzida a palavras

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio

 

Ao morrer, em 2017, Antonio Candido Mello e Souza deixou um legado e tanto. Numa trajetória que não pode ser resumida em uma linha e nem em muitas linhas, legou ao patrimônio cultural do país obras incontornáveis como Formação da Literatura Brasileira e Parceiros do Rio Bonito. Professor universitário, criador de publicações como a revista Clima e o Suplemento Literário do Estado de S. Paulo, deixou marca indelével no pensamento brasileiro e uma legião de discípulos e seguidores. Seu pensamento está vivo entre nós, embora, em suas memórias finais, ele já se considerasse um homem de outro tempo.  

Candido manteve um diário escrito ao longo da vida e que totaliza 74 cadernos mantidos inéditos. É sobre os últimos desses cadernos íntimos que se baseia o documentário Antonio Candido, anotações finais, de Eduardo Escorel. 

 

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O filme se vale do recurso de um narrador póstumo, à maneira de um Brás Cubas no romance de Machado de Assis - "Dia 12 de maio de 2017, eu morri", começa o escritor, na voz do ator Matheus Nachtergaele. Então segue-se um, por assim dizer,  fluxo de consciência, palavras transcritas dos últimos cadernos de Candido, postas no papel com letra caprichada e firme, apesar da idade avançada. 

É da própria idade que ele fala com frequência, referindo-se de maneira altiva às limitações crescentes de quem havia atingido a "velhice extrema", como ele diz. O uso da bengala, instrumento já parte do corpo, as caminhadas pelo bairro, cada vez mais curtas, os perrengues da idade. A vida que se vai encurtando, inexoravelmente. E, com ela, a saudade da companheira ao longo de 60 anos, mãe de suas três filhas, a grande intelectual Gilda Mello e Souza, que o deixou em 2005. "Conhecê-la foi o fato fundamental da minha vida", escreve Candido. Existe maior declaração de amor? 

Os cadernos revelam os interesses intelectuais de Candido, presentes em seu dia-a-dia. Mas também expressam suas preocupações com o momento histórico do país, à época rumando para o inferno astral com o impeachment de Dilma Rousseff. Adepto do socialismo democrático, doía a Candido ver o país flertar abertamente com o golpismo e o autoritarismo. Foi, no entanto, poupado da distopia da era das trevas que entre nós vigorou entre 2018 e 2022. 

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O material visual que acompanha as reflexões por escrito de Candido, evoca às vezes uma São Paulo mais antiga e quiçá mais civilizada, aquela dos tempos da Faculdade de Filosofia da USP, na rua Maria Antonia. Alma Mater de Candido, a USP, no entanto, não foi poupada pela violência política em 1968, na antevéspera do AI-5. 

Mesmo intelectuais refinados, como Candido, estão sempre expostos, no Brasil, a oscilações históricas abruptas e a esta curiosa mistura de sofisticação e barbárie que compõe o nosso fluxo histórico. Foi ele, Antonio Candido, afinal, um dos estudiosos deste país em transe, ao lado de gente como Sérgio Buarque, Gilberto Freyre, Caio Prado e outros. Intérprete do Brasil, com frequência via o país pela lente do romance - sociedade e literatura iluminando-se mutuamente, como em Dialética da Malandragem, um dos seus textos seminais. O que fazer senão tentar entender esse caos - e fazê-lo através das armas da reflexão e da palavra. 

Homem da escrita, Antonio Candido tinha consciência da natureza da sua ferramenta de trabalho. Numa das entradas do diário, anota: "Uma das coisas boas é reduzir a vida a palavras. Elas podem ser uma espécie de sobrevida." E assim está sendo. Palavras que, por si sós, são incapazes de mudar o mundo, podem servir para compreendê-lo, e para legar um ponto de vista para as gerações por vir.

O estilo refinado, de emoção contida, com que o documentário trata os últimos passos desse grande pensador, faz jus ao personagem. 

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ANTONIO CANDIDO, ANOTAÇÕES FINAIS

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MOSTRA CCIDADE SALA DATA / HORÁRIO
Programas Especiais SSão Paulo Espaço Itaú de Cinema Augusta 06/04/2024 às 16h00
Programas Especiais RRio de Janeiro Estação Net de Cinema Botafogo 07/04/2024 às 18h00
Programas Especiais RRio de Janeiro Estação Net de Cinema Rio - Sala 5 08/04/2024 às 15h00
Programas Especiais SSão Paulo Cinemateca Brasileira - Sala Grande Otelo 10/04/24 às 17h00

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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