PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|FAM 2024: A complexa relação entre mãe e filha em 'A Estrela que Perdi'

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
 

FLORIANÓPOLIS - O FAM, cujo nome inteiro é Florianópolis Audiovisual Mercosul, começou com uma homenagem ao seu fundador, Antônio Celso dos Santos, falecido ano passado. É o primeiro FAM sem o Celso, uma figura querida e que nos legou esse belo festival com a vocação de reunir representantes de nuestra America latina. Está em sua 28ª edição.

PUBLICIDADE

Na sessão inaugural do FAM, foi exibido o curta-metragem do seu fundador, Ritinha, com Daniela Escobar, Imara Reis, Otávio Augusto e Giuseppe Oristânio no elenco. Oristânio estava na sessão e depois conversou com a plateia sobre cinema, teatro e artes em geral. Foi uma abertura agradável, emocionante, na presença de Denise Naccari, viúva de Antonio Celso, e seus dois filhos, Tiago e Marilha, que hoje comandam o festival.

Após a abertura, veio o primeiro longa da competição, o argentino A Estrela que Perdi (La Estrella que Perdí), da diretora Luz Orlando Brennan. Norma Reys (Mirta Busnelli) é uma atriz tarimbada que, com a idade avançada, tem de aceitar o papel de uma senhora com Alzheimer em uma peça medíocre. Seus conflitos se exacerbam na relação com a filha, Celeste (Ana Pauls), sempre ofuscada pelo brilho da mãe, e que agora resolve se casar. Norma parece desprezar tanto a filha quanto o futuro genro.

A Estrela que Perdi é um filme muito interessante. Inteligente, trabalha de maneira articulada, com as fronteiras tênues entre arte e vida, imaginação e realidade. Norma, que interpreta a personagem com Alzheimer na peça medíocre, também desenvolverá a doença na vida real? Onde se dá a estranha mudança pela qual passa a sua personagem lá pela metade do filme?

Há muitas referências culturais e cinefílicas nesse emaranhado de subjetividades, cujo nó maior é o relacionamento entre mãe famosa e filha ressentida. O próprio nome da personagem remete a Norma Desmond, personagem de Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard), de Billy Wilder, sobre o declínio do estrelato do cinema mudo com a chegada do som a Hollywood. A mãe brilhante que ofusca a filha lembra Sonata de Outono, de Ingmar Bergman, e seu "duelo" entre a mãe concertista (Ingrid Bergman) e a filha (Liv Ullmann), apenas uma amadora esforçada.

Publicidade

O espelhamento entre as duas personagens femininas, e sua confusão subjetiva, pode lembrar também a obra-prima de Bergman, Persona, que no Brasil ganhou o título ridículo de Quando Duas Mulheres Pecam. Acho que a cultura psicanalítica, muito difundida na Argentina, é responsável por uma interessante reflexão embutida no centro do filme. Celeste, carente do amor materno pela vida afora, sente-se sufocada quando esse amor aparece, de forma tão intensa quanto tardia e inesperada. O que desejamos, afinal? Essa é a questão básica da psicanálise.

A coisa fica mais interessante ainda quando ficamos sabendo que as ótimas atrizes Mirta Busnelli e Ana Pauls são mãe e filha na vida real.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.