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Opinião|FAM 2024: Filmes sobre a música black e o canto lírico vencem o festival

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
 

FLORIANÓPOLIS - Dois documentários brasileiros, relacionados à música,  foram os vencedores do 28º FAM - Florianópolis Audiovisual Mercosul. Black Rio! Black Power, de Emílio Domingues, foi o eleito pelo júri oficial. Aldo Baldin - Uma Vida Pela Música, de Yves Goulart, foi o escolhido pelo público. O júri oficial concedeu ainda uma menção honrosa à atriz argentina Mirta Busnelli por sua atuação no longa de ficção La Estrella que Perdí (A Estrela que Perdi). Já o vencedor da mostra de curtas foi a produção baiana Movimentos Migratórios. Estes foram os prêmios principais de um festival que organizou várias mostras, inclusive para filmes ainda não concluídos, reunidos no segmento chamado Work in Progress - neste, o júri, do qual fiz parte, optou pelo argentino Muña Muña - aqui rebatizado como A Flor do Amor.

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Já havia escrito sobre os vencedores. Vale repetir para quem não leu.

Aldo Baldin - uma Vida pela Música, de Yves Goulart, é uma dessas histórias de superação de que o Brasil é pródigo. Baldin é natural de Urussanga, cidade no interior de Santa Catarina. Filho de agricultores, imigrantes do Vêneto, no Norte da Itália, o menino Aldo ajudava os pais na lavoura. Cedo revelou sua vocação musical. Seu primeiro professor foi um tocador de harmônica, instrumento que no Sul chamam de "gaita".

O garoto foi longe. Estudou no seminário, aprendeu canto, música e também outros instrumentos, passou por diversos professores e professoras. Com uma carta de recomendação do mitológico maestro e organista Karl Richter, de passagem pelo Brasil, conseguiu uma bolsa que o levou à Alemanha. Lá se estabeleceu, formou família e tornou-se figura conhecida no mundo do canto internacional.

Ao morrer de forma precoce, com 49 anos, deixou um legado extraordinário, de mais de 100 discos gravados pelos mais prestigiosos selos da música clássica internacional.

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O documentário se beneficia de um farto material deixado por Aldo. Desde filmes domésticos, disponibilizados por sua viúva ao diretor, como filmagens de suas performances nos palcos dos grandes teatros de ópera do mundo.

Mas, por certo, a cereja do bolo é uma gravação em fita cassete, do próprio Aldo lembrando sua trajetória, do menino humilde aos maiores palcos da música pelo mundo. Fez essa gravação pouco antes de morrer. Serviria de base para um "pequeno livro", que planejava escrever para que não se esquecessem dele quando partisse. Por certo não imaginava que a partida estivesse tão próxima.

Aldo Baldin - uma Vida Pela Música é um filme comovente e fundamental para conhecermos esse grande artista, tão ignorado  em seu país natal. As gravações estão por aí. A voz de Aldo é sublime, interpretando Verdi, Bach, Villa-Lobos, cançonetas napolitanas e a singela Azulão, que ele cantava para lembrar de sua terra. Ouçam-no na Cantilena das Bachianas Brasileiras nº 5, acompanhado pelo violão de João Pedro Borges, para entender por que Maria Lúcia Godoy o tem como referência absoluta em matéria de voz.

Em Black Rio! Black Power!, Emílio Domingos traz a história da soul music no Rio de Janeiro, em bailes que contribuíram para a afirmação da comunidade negra em tempo de ditadura militar e preconceito racial acirrado.

Há a politização da música importada dos Estados Unidos em sua afirmação de que black is beautiful. O sucesso dos bailes e dos discos lançados chamaram a atenção da ditadura, que via na afirmação dos negros, em seu orgulho e altivez, algo de muito perigoso. Alguns dos líderes do soul music, como Dom Filó, chegaram a ser presos para prestar depoimento.

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O filme mostra um timing dos mais sedutores. Tem ritmo, tem ginga - e muita inteligência. Alguns dos depoentes, como o já citado Dom Filó, além de Carlos Alberto e outros, dão um  show de lucidez ao examinarem o movimento a uma distância de cerca de cinco décadas.

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Inclusive analisando a pecha de alienados e americanófilos, numa época em que a esquerda, que resistia ao regime, era muito nacionalista e prestigiava as formas de expressão artística autenticamente brasileiras. Como se fosse possível cobrar autenticidade a uma arte que ama a mistura, como a música popular.

Houve até o caso, real ou imaginado, do conflito entre a turma do samba e o grupo do soul, que teria dividido a comunidade negra naqueles anos. Carlos Alberto e Dom Filó negam qualquer coisa nesse sentido. "O samba jamai foi desrespeitado por nós".

De qualquer forma, sambistas que consideravam o soul um modismo passageiro acabaram por ter razão com o declínio da modalidade no final da década de 1970. Dom Filó responsabiliza a chegada da disco music, branca, que viria a ocupar o espaço do soul negro tanto nos bailes como nas gravadoras. "Lançaram até uma novela para promover, a Dancin' Days."

No entanto, vê hoje, no contestador hip hop, uma linha de continuidade daquilo que criaram nos anos 1970. Como diz outro dos integrantes do movimento original, "o soul plantou as sementes de uma revolução que não houve, que ainda não aconteceu".

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É um percurso fascinante, digno de outros filmes e mais estudos, uma página importante do relacionamento entre artes e política, uma trajetória de resistência e afirmação.

Black Rio! Black Power! está em cartaz no circuito comercial. Aldo Baldin - uma Vida pela Música ainda não tem data de estreia.

 

O curta Movimentos Migratórios, de Rogério Cathalá (BA), comoveu a todos quando foi exibido. Conta a história de um imigrante peruano que tenta desesperadamente arranjar um emprego em seu novo país. Pela manhã, ao sair de casa para a batalha cotidiana, Pedro (Arturo Campos Begazo) encontra uma andorinha ferida e decide ajudar a ave a sobreviver.

Tanto ele quanto a andorinha são seres migrantes e encontram-se à deriva e fragilizados. São diferentes da ave poderosa que sobrevoa os Andes, o condor. A história se dá sob a trilha sonora intermitente da música O Condor Passa. E os letreiros finais dão uma informação capaz de comover o mais empedernido dos corações.

Mostra LONGAS Júri Popular: ALDO BALDIN - UMA VIDA PELA MÚSICA de YVES GOULART (SC) Troféu Panvision

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Menção Honrosa: Atriz MIRTA BUSNELLI - por sua atuação em LA ESTRELLA QUE PERDÍ (Argentina)

Júri Oficial: BLACK RIO! BLACK POWER! de EMÍLIO DOMINGOS (RJ) Troféu Panvision + Troféu Apoiador  MOSTRA CURTAS Júri Oficial: MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS de ROGÉRIO CATHALÁ (BA) Troféu Panvision + Prêmio Apoiador

Prêmio Especial LUTHIER de CARLOS GONZÁLEZ PÉNAGOS (Colômbia) Troféu Panvision

Júri Popular: HOJE EU SÓ VOLTO AMANHÃ de DIEGO LACERDA (PE) Troféu Panvision

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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