Terminou a 48ª Mostra de São Paulo. Terminou em termos, porque agora começa a repescagem, com filmes exibidos nos cinemas Satyros-Bijou e Cinesesc. No encerramento, houve a entrega dos prêmios aos vencedores, homenagem a Francis Ford Coppola com o troféu Leon Cakoff, e a exibição de Megalópolis na tenda da Cinemateca Brasileira.
Coppola fez uma rápida aparição. Foi aplaudido em pé pelo público, como corresponde a um grande mestre do cinema. Mas logo pediu que as pessoas se sentassem e relaxassem. Pouco falou do filme, a não ser que era apenas uma "fábula" e como tal devia ser entendido. Sabe muito bem que a apreciação crítica deste seu novo trabalho tem sido controversa, para dizer o mínimo. E as bilheterias não vão nada bem, mundo afora. Vamos ver como o público brasileiro reage.
De fato, Megalópolis é de assimilação complexa. Admirei o recorte visual esplêndido e algumas sequências maravilhosas. Mas também derrapei na narrativa que me pareceu confusa e sobrecarregada. Qualquer cinéfilo pode brincar com as referências encontradas - a começar por pela óbvia, a Metrópolis, de Fritz Lang, mas também a Satyricon, de Federico Fellini. A ideia de equiparar as decadências do Império Romano ao do atual império norte-americano me parece justa. A crítica ao capitalismo, à ganância, à falta de sentido de uma vida dedicada ao poder e à riqueza, mais ainda. A maneira de escrever essa crítica na tela me pareceu menos feliz do que eu esperava. Afinal, estamos diante de um diretor que nos deu várias obras-primas, tais como a trilogia dos Chefões, Apocalypse Now e A Conversação. Voltarei ao filme. Talvez o reveja para pensar melhor.
Vencedores pelo júri oficial e público, no release da Mostra:
PRÊMIO DO JÚRI
Os filmes da seção Competição Novos Diretores mais votados pelo público foram submetidos ao Júri, formado nesta edição pela atriz brasileira Camila Pitanga, pelo ator e cineasta português Gonçalo Waddington, pela curadora e produtora Hebe Tabachnik, pelo produtor Kyle Stroud, pelo diretor e escritor iraniano Mohsen Makhmalbaf e pelo crítico de cinema francês Thierry Meranger.
Os jurados escolheram Familiar Touch, de Sarah Friedland, e Hanami, de Denise Fernandes, como os melhores filmes de ficção. Como melhor documentário, premiaram No Other Land, de Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal e Yuval Abraham, e Sinfonia da Sobrevivência, de Michel Coeli. Também concederam o prêmio de melhor direção para Adam Elliot, do filme Memórias de um Caracol.
PRÊMIO DO PÚBLICO
O público da 48ª Mostra escolheu, entre os longas internacionais, O Caso dos Estrangeiros, de Brandt Andersen, como melhor filme de ficção, e Balomania, de Sissel Morell Dargis, como melhor documentário. Entre os brasileiros, Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, recebe o prêmio de melhor ficção, e 3 Obás de Xangô, de Sérgio Machado, o de melhor documentário.
A escolha do público é feita por votação. A cada sessão assistida, o espectador recebe uma cédula para votar com uma escala de 1 a 5, entregue sempre ao final do filme. O resultado proporcional dos filmes com maiores pontuações determina os vencedores.
Gostei da premiação do público para Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, e 3 Obás de Xangô, de Sérgio Machado. O filme de Salles, baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, sobre a mãe, Eunice Paiva, entra em cartaz dia 7.
Os 3 Obás, não sei se já têm data. Quem são eles? Dorival Caymmi, Jorge Amado, Carybé. Os dois primeiros, baianos da gema. O terceiro, um argentino adotado, que se tornou baiano pelo resto da vida. É uma delícia ver os três interagindo, grandes amigos que foram. O filme provoca em nós um estado de euforia, como se nos levasse a um paraíso perdido, a uma terra feliz que não existe mais. Mas, durante a projeção, não sentimos essa perda. Apenas o prazer, a alegria mesmo de conviver com essa gente bem-humorada, amorosa, inteligente, essa cidade mágica que era a Salvador de anos atrás. Saí do cinema com muitas saudades do Brasil.
Quanto aos outros premiados, gostei também de Memórias de um Caracol, contemplado pela direção de Adam Elliot. Animação adulta, bem-feita, cheia de ironia e incisiva em temas difíceis, tais como o envelhecimento e a morte.
No Other Land vale pelo registro do sacrifício do povo palestino, cada vez mais martirizado pela criminosa guerra levada por Israel de Benjamin Netanyahu. Mostra a amizade de dois jovens, um palestino e outro israelense, uma figuração da solução dos dois Estados para a região, saída cada vez mais distante. E os abusos cometidos pelo exército israelense contra a população civil? Impossível não se revoltar com as imagens de pessoas mortas ou feridas, crianças e mulheres em desamparo, casas precárias demolidas por escavadeiras, a população tendo que se abrigar em cavernas. O pretexto - cínico - era que as pessoas não podiam estar lá, pois era um campo de treinamento do exército.
Também foi premiada a ficção Hanami, de Denise Fernandes, ambientada em Cabo Verde, em uma pequena ilha vulcânica da qual todos querem sair, com exceção de Nana, que aprende a ficar. Uma narrativa poética, com belas imagens, um esboço que mescla fantasia e realidade. Me pareceu às vezes encantador; outras, um tanto ingênuo.
A premiação completa encontra-se aqui:
https://48.mostra.org/jornal-da-mostra/filmes-premiados-48a-mostra
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