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Opinião | Gramado 2024: 'Motel Destino', intenso como o desejo

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio

 

 

Diário crítico (1)

 

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GRAMADO - Quem esteve em Cannes diz que a plateia aplaudiu Motel Destino durante 12 minutos na sessão oficial. Talvez fosse exagero esperar algo semelhante na exibição em Gramado. Mesmo assim, foi surpresa ver os aplausos rápidos e meramente protocolares com que o novo filme de Karim Aïnouz foi recebido na serra gaúcha. 

Merecia mais. Vi na tela um filme instigante e estimulante, não isento de "defeitos", por certo. Porém, corajoso e pulsional, isso num momento em que a produção nacional parece particularmente desprovida de libido. Reflexo, talvez, da época carola em que estamos vivendo, com criatividade em baixa e suscetibilidades à flor da pele. 

 Motel Destino vai na contramão de tudo isso. É uma espécie de neo-noir erótico, ambientado em grande parte num motel em Beberibe, município de praia distante uns 80 km de Fortaleza. É lá que se forma o pouco convencional triângulo entre o casal Elias (Fábio Assunção) e Dayana (Nataly Rocha), e o recém-chegado Heraldo (Iago Xavier).

A primeira linha de inspiração deve-se, por certo, à obra de James Cain, The Postman always rings Twice, que está na origem de vários filmes, de Ossessione (1943), de Luchino Visconti, a duas adaptações diretas da obra, uma de 1946, outra de 1981, além de inspirações livres, tais como o nosso Porto das Caixas, de Paulo Cezar Saraceni, e Corpos Ardentes, de Lawrence Kasdan

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O retrato de fundo é sempre o mesmo. A mulher planeja livrar-se do marido e conta com o amante para cumprir a tarefa. Cabe dizer que, em Motel Destino, esse é apenas um ponto de partida. Interessa-o menos o enredo e mais o pacto sensorial que sela com seu elenco e, este, com o espectador. 

Em Motel Destino, tudo se passa à flor da pele. Do envolvimento sexual de Dayana com o rapaz inexperiente ao ambiente do motel, sujo, deprimente, iluminado pela luz crua do neon, e com a trilha sonora permanente de gemidos da clientela. Noite e dia, dia e noite, num ambiente desses, é coisa de enlouquecer. E o filme, de fato, passa-se na fronteira da sanidade. 

A entrega do elenco era imprescindível para tornar possível essa obra difícil - de Fábio Assunção que, de galã, transforma-se num tipo um tanto repulsivo como o dono do hotel, até as cenas calientes entre Dayana e Heraldo, algo raras num cinema brasileiro contemporâneo cheio de pudores e restrições.

Tudo conflui para que o filme mostre essa aura erótica, hoje pouco convencional. Sentem-se o calor, o cheiro, os ruídos, a própria pulsão espalhada no ar - tudo fruto desse elenco muito bom, aliado a uma fotografia frenética e um trabalho de som mais que notável. Tudo vai envolvendo o espectador. Num determinado momento, com a personagem percorrendo os corredores do motel, tem-se a impressão de estar no Overlook Hotel de O Iluminado, de Stanley Kubrick - só faltaram as gêmeas no fim do corredor. Frenético, filmado em super-16mm, neon mesmo à luz do dia, caloroso, intenso, jogando no corpo-a-corpo, excita, inquieta e, talvez, faça pensar. Mas não é seu objetivo imediato. A reflexão, se existe, surge à contra-luz. 

Motel Destino não é perfeito, mas é corajoso - como deve ser todo filme sobre o desejo. Estreia dia 22 nos cinemas. 

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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