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Opinião | Morre Vladimir Carvalho, o grande documentarista brasileiro

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Foto de Maria do Rosário Caetano  

Ninguém acreditava, mas era verdade: Vladimir Carvalho havia morrido. A notícia vinha de Brasília e provocava incredulidade, pois Vladimir aparentava saúde de ferro, zombando dos seus bem vividos 89 anos. Um infarto o pegou, vieram as complicações renais e ele se foi. Era o maior documentarista brasileiro vivo, autor de peças clássicas como O País de São Saruê, A Pedra da Riqueza e Conterrâneos Velhos de Guerra, entre muitos outros. Paraibano de Itabaiana, Vladimir havia muito morava em Brasília, onde foi professor da UnB, cineasta prolífico deixando uma grande obra, além da legião de ex-alunos, admiradores e amigos.

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A seco, no calor da notícia, é difícil fazer um balanço da obra de Vladimir, por sua extensão e importância. Será preciso decantar esse legado. Seus primeiros curtas, Romeiros da Guia e A Bolandeira o colocam no mundo do sertão, esse palco privilegiado da desigualdade social do país. Além disso, vale sua participação nas equipes dos seminais Aruanda e Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho, o filme interrompido pelo golpe de 1964 e retomado apenas nos anos 1980.

O País de São Saruê, considerado por muitos sua obra-prima, fala da seca e da pobreza na região do Rio do Peixe, confrontadas com as lendas e evocações de uma utopia, a terra da abundância, esse ancestral contraponto imaginário à miséria. Selecionado para o Festival de Brasília, no início dos anos 1970, Saruê foi vetado pela censura. O caso provocou a interrupção do mais antigo festival de cinema do país durante três anos.

Sempre do lado dos mais fracos, Vladimir retratou a construção de Brasília pelo ponto de vista dos candangos. Os trabalhadores vinham de longe para construir a Nova Cap e, quando o Plano Piloto ficou pronto, foram expulsos para a periferia. A cidade que construíram, orgulho do modernismo nacional, não era para eles. Há um momento tenso no documentário quando Vladimir entrevista o arquiteto Oscar Niemeyer sobre a morte de trabalhadores num dos canteiros de obra. Niemeyer se irrita e o manda à merda.

Essa pegada engajada foi a tônica da obra de Vladimir e seu eixo mais definidor. Outro trabalho nesse sentido é Barra 68, que narra a invasão da Universidade de Brasília durante a ditadura.

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Mas nem sempre esse foi seu tema. Muitas vezes perfilou artistas, como em busca daquilo que poderia talvez dar uma direção mais civilizada ao país - a cultura. Em O Engenho de Zé Lins fala da obra literária do seu conterrâneo José Lins do Rego, aliás flamenguista de coração como ele, Vladimir. É não apenas o retrato de um grande escritor, autor de Menino de Engenho entre muitas outras obras, mas da amizade comovente que ligava Zé Lins ao poeta Thiago de Mello. Já havia feito um filme para outro grande escritor nordestino, José Américo de Almeida, autor de A Bagaceira, em O Homem de Areia.

Colocou em filme também o artista plástico Cícero Dias, em O Compadre de Picasso, e o militante histórico do PCB, Giocondo Dias, em Ilustre Clandestino.

A enumeração poderia ir longe, mesmo porque Vladimir tinha sempre uma série de projetos no bolso, que tentava viabilizar, com a dificuldade que se conhece para este gênero de obra.

Nos últimos anos sua preocupação era também o destino do acervo que havia reunido ao longo da vida - filmes, fotos, papeis - um tesouro para qualquer pesquisador, que ele abrigava numa casa pequena, de forma precária. A luta era para que o poder público transformasse o acervo em museu, disponibilizando os itens para estudo e pesquisa. Ninguém lhe dava atenção. Agora, é possível que o impasse se resolva. No Brasil as pessoas precisam morrer para serem levadas a sério.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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