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Opinião|Mostra 2024: Começo recompensador de maratona: a graça de Paul e Paulette e outras histórias 

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
 

Diário crítico (2)

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Paul e Paulette tomam um banho - quem iria atrás de um filme com esse título? No entanto, foi uma boa pedida, encontrada meio no acaso. Direção de Jethro Massey, é um boy meets girl invulgar. Paul e Paulette. Ele, jovem fotógrafo americano; ela, garota francesa, tão perdida quanto inteligente. Conhecem-se numa praça em Paris e engatam amizade. Ou algo mais. Uma tendência os une - o prazer pelos lugares mórbidos. Visitam a cela onde Maria Antonieta passou a noite antes de ser guilhotinada, na Conciergerie. Ele aluga um apartamento em Munique onde, supostamente, Hitler teria morado. E assim por diante. O que parece de início apenas uma brincadeira inocente, vai aos poucos ganhando densidade. Até termos um retrato de juventude, mas também de cidade fotografada de modo nada banal - Paris e seus mistérios; Paris, suas belezas e seus horrores, muitas vezes escondidos. 

O que Paul e Paulette tem de leveza, o georgiano As Antiguidades tem de peso. Dirigido pela cineasta Rusudan Glurijdze, traz a personagem Medea que compra um apartamento no centro histórico de São Petersburgo. Só que o contrato de venda prevê que o antigo dono, um aposentado rabugento, permaneça no imóvel até sua morte. Contrabando de móveis antigos para a Rússia e deportação forçada de milhares de georgianos da Rússia para a Geórgia fazem parte desse drama de toques surrealistas e fotografia soturna. Tem seu valor. 

Sujo - uma boa pedida vinda do México,  dirigido por Astrid Rondero e Fernanda Valadez. Um pistoleiro a serviço dos cartéis de tráfico é assassinado. Seu filho de quatro anos também corre risco de vida, mas escapa com a ajuda da tia, e fogem para o interior, onde vivem em meio à pobreza e ao medo. Sujo cresce e vai para a capital, a gigantesca Cidade do México. Trabalha como carregador de caminhões e tem a sorte de conhecer uma professora generosa, que ajuda o jovem ignorante em sua viagem pela aprendizagem. Um daqueles filmes civilizatórios, que, no entanto, nada tem de bobo. Em tom realista, narra a trajetória áspera de um garoto nascido em meio à violência e a pobreza rumo a, talvez, um futuro melhor. Sem pieguice. Muito tocante, em especial porque não se limita às boas intenções que muitas vezes estragam obras promissoras. 

O turco Novo Amanhecer Desaparece, de Gürcan Keltek, propõe uma viagem mística por Istambul. Diga-se: poucas vezes se viu a magia da cidade turca ser captada com tamanha beleza. Istambul é personagem principal dessa história, junto com Akin, que já teve problemas mentais, foi internado e agora vive na grande casa da família, de onde sai apenas para cerimônias religiosas. Parece em busca do êxtase, e o filme arrasta o espectador em sua procura, tanto pelas imagens quase oníricas como trilha sonora deslumbrante, que convida à transcendência (mesmo para descrentes). O filme é mágico, lisérgico, pelo menos até seus cerca de 30 minutos finais, quando mergulha num misticismo de terceira categoria e (quase) põe tudo a perder. Permanece na vista e nos ouvidos a sensação dessa viagem para a qual fomos convidados. Saímos do cinema pensando em como o grande Nuri Bilge Ceylan colocou lá no alto o padrão do cinema turco. A diferença é que Ceylan, além do padrão formal, tem também muito conteúdo. 

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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